domingo, 5 de janeiro de 1992

A escrita do exílio I


            Ao longo da História da América, marcada sempre por extremas violências, o exílio foi uma constante. Porém, jamais como nas últimas décadas, sofrido por tantos e por tantos  escritores. Medrosos de sua consciência crítica, os regimes de exceção, ao longo do tempo, continuamente a emergir no Continente, lhes cancelaram a cidadania, pensando que assim lhes impediriam a palavra. Não somente não o conseguiram como elas foram  tão inspiradas – contos, romances, poemas, teatro – que extrapolaram sempre o espaço da ficção para serem requisitados testemunho.
E neles couberam os grandes gestos, momentos decisivos e cruéis e a pequena tragédia do cotidiano. E o exílio, um tema de muitas nuanças, mais do que a história de um destino, se constituiu a história de um povo, por vezes, dos povos do Continente.

            Em entrevista a Felipe Navarro, publicada em Novela y exílio (Montevidéu, Signos, 1989), Daniel Moyano fala do livro sobre o exílio que desejava escrever  cuja origem estaria naquela aventura de um amigo seu, também exilado. Uma vez, de repente, sentiu saudades de um salgueiro e decidiu que teria um no apartamento onde morava. Num dia de chuva, achou abandonada,  numa  rua de Madrid, uma velha banheira, um pouco estilo Luiz XIV. Chamou sua mulher pelo telefone e, juntos, carregaram a banheira pelas ruas da cidade e a subiram até o quinto andar porque nela, o exilado saudoso queria plantar o salgueiro. Esse episódio que tanto emocionou Daniel Moyano, acabou não tendo lugar no seu livro. No romance que escreveu então, Libro de navios y borrascas, ele contou de uma travessia, não pelas ruas de Madrid com uma banheira às costas, mas daquela de  exilados do Cono-Sul  que partiram de Buenos Aires para chegar a Barcelona. Apareceu, sim, no outro romance que escreveu logo a seguir Três golpes de timbal.  Neste, os exilados já estão em terra alheira. Daniel Moyano sabe, por experiência própria, como se torna imperioso o desejo de procurar algo que sirva de ancoradouro. Não é difícil imaginar que o homem desterrado tenha mil coisas para buscar: a pátria, amigos, odores familiares, melodias  canções, um meio de expressão. Ou, apenas um salgueiro.

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