domingo, 29 de dezembro de 1991

O exílio dos que ficaram


            Desde que os ibéricos aqui chegaram, há quase quinhentos anos, o Continente foi se desangrando. Nessa perda de riquezas, inserem-se, também¸ os escritores. .Muitas vezes,e desde sempre, houve os que foram obrigados a abandonar  seu país, dando origem ao que passou a ser chamado de Literatura do Exílio.

            Rubrica que, ao abrigar um assunto muito vasto e muito variado, irá oferecer diferentes ângulos de aproximação: razões que forçaram a  partida, o momento da partida, o desespero do cotidiano em terras estranhas, a luta pela expressão, a perda do destinatário.

            As razões da partidas acontecida com menor ou maior pressa, acabam por serem sempre as mesmas. Daniel Moyano, que da Argentina partiu para a Espanha, em entrevista concedida, em 1980, em Paris, dizia que lhe era impossível viver num país onde, de repente, é levado preso, preso fica por vários  dias, é posto em liberdade sem conhecer as causas de sua prisão e, ainda, recebe o conselho de não procurar conhecê-las.

            Terrível, também, o momento da partida para o destino desconhecido. Os sentimentos irão explodir nesse desgarramento e terão diferentes nuanças.  De Adrian Santini, jovem poeta chileno, é a voz que diz  poder carregar seus fardos nos ombros e acrescentar  que me despedi insolente.  Com certeza, ignorava ou minimizava os momentos difíceis que o esperavam e que Humberto Constantini, poeta argentino exilado no México irá definir.  Um desacerto  que domina aquele que teve que abandonar o seu espaço para se integrar, arbitrariamente, noutro, que precisa, então criticar: escrupulosamente / umas vinte vezes por dia / isto é / não lhe perdoar absolutamente nada / nem o agorinha nem o smog nem o transporte / nem a grandiosidade/ nem as cores estridentes / nem os impronunciáveis nomes das ruas / nem o seu glorioso passado revolucionário.

            Desacerto no qual se engloba o martírio maior do exílio: o isolamento originado da impossibilidade de comunicação, mesmo nos casos em que a língua do país acolhedor seja a mesma do país natal

            Quem exprime esses obstáculos, que ainda no caso em que seja a mesma língua, devem ser transpostos, é, também, Humberto Costantini que no seu poema “Rosedal” se queixa de não entender quase nada do que dizem os jornais mexicanos.

            Se o exílio do hispano-falante é passado na Espanha, as relações muitas vezes, se regem pela mentalidade, ainda vigente, do colonizador versus colonizado e expressa o binômio metrópole /colônia. Nela, somente é aceitável para os espanhóis a língua falada na Espanha. Todas as variantes próprias de cada país do Continente se afastam de seu padrão e, portanto, são inaceitáveis. Mas, sem dúvida, a dificuldade maior será a  separação do escritor de seus leitores, quando o exílio acontece em paises cuja língua é diferente da sua língua materna e na qual ele se expressa.
            A esses desesperos advém outros; o diluir-se, na passagem dos anos, a imagem do país natal, o exílio duplo ou repetidos exílios, o viver entre um passado destruído e um futuro incerto, o dividir-se entre o desejo de retorno e o medo da volta para tanta coisa que não existe mais.         Emoções que fluem e são testemunhas da tragédia vivida por tantos escritores do Continente. Debruçados sobre esses testemunhos, Carlos Droguett, o romancista chileno exilado na Suíça, reflete e se surpreende. Surpreende-se que no teatro, na música, nas narrativas e nos poemas  que expressam os pensamentos, os suspiros e os sofrimentos dos intelectuais chilenos, paire um silêncio sobre o outro exílio. Aqueles que nenhuma das vozes que se levantaram considerou: O exílio dos que não saíram, não souberam ou não puderam sair do país. O exílio dos que sucessivamente, enfrentaram a delação, a prisão, a tortura, o desaparecimento, o assassinato e o absorveram e deixaram um testemunho escrito ou oral de sua passagem pela terra, de sua vertiginosa agonia na cela  no leito da tortura que também  eram a su

            Desde que os ibéricos aqui chegaram, há quase quinhentos anos, o Continente foi se desangrando. Nessa perda de riquezas, inserem-se, também¸ os escritores. Muitas vezes,e desde sempre, houve os que foram obrigados a abandonar  seu país, dando origem ao que passou a ser chamado de Literatura do Exílio.

            Rubrica que, ao abrigar um assunto muito vasto e muito variado, irá oferecer diferentes ângulos de aproximação: razões que forçaram a  partida, o momento da partida, o desespero do cotidiano em terras estranhas, a luta pela expressão, a perda do destinatário.

            As razões da partidas acontecida com menor ou maior pressa, acabam por serem sempre as mesmas. Daniel Moyano, que da Argentina partiu para a Espanha, em entrevista concedida, em 1980, em Paris, dizia que lhe era impossível viver num país onde, de repente, é levado preso, preso fica por vários  dias, é posto em liberdade sem conhecer as causas de sua prisão e, ainda, recebe o conselho de não procurar conhecê-las.

            Terrível, também, o momento da partida para o destino desconhecido. Os sentimentos irão explodir nesse desgarramento e terão diferentes nuanças.  De Adrian Santini, jovem poeta chileno, é a voz que diz  poder carregar seus fardos nos ombros e acrescentar  que me despedi insolente.  Com certeza, ignorava ou minimizava os momentos difíceis que o esperavam e que Humberto Constantini, poeta argentino exilado no México irá definir.  Um desacerto  que domina aquele que teve que abandonar o seu espaço para se integrar, arbitrariamente, noutro, que precisa, então criticar: escrupulosamente / umas vinte vezes por dia / isto é / não lhe perdoar absolutamente nada / nem o agorinha nem o smog nem o transporte / nem a grandiosidade/ nem as cores estridentes / nem os impronunciáveis nomes das ruas / nem o seu glorioso passado revolucionário.

            Desacerto no qual se engloba o martírio maior do exílio: o isolamento originado da impossibilidade de comunicação, mesmo nos casos em que a língua do país acolhedor seja a mesma do país natal

            Quem exprime esses obstáculos, que ainda no caso em que seja a mesma língua, devem ser transpostos, é, também, Humberto Costantini que no seu poema “Rosedal” se queixa de não entender quase nada do que dizem os jornais mexicanos.

            Se o exílio do hispano-falante é passado na Espanha, as relações muitas vezes, se regem pela mentalidade, ainda vigente, do colonizador versus colonizado e expressa o binômio metrópole /colônia. Nela, somente é aceitável para os espanhóis a língua falada na Espanha. Todas as variantes próprias de cada país do Continente se afastam de seu padrão e, portanto, são inaceitáveis. Mas, sem dúvida, a dificuldade maior será a  separação do escritor de seus leitores, quando o exílio acontece em paises cuja língua é diferente da sua língua materna e na qual ele se expressa.
            A esses desesperos advém outros; o diluir-se, na passagem dos anos, a imagem do país natal, o exílio duplo ou repetidos exílios, o viver entre um passado destruído e um futuro incerto, o dividir-se entre o desejo de retorno e o medo da volta para tanta coisa que não existe mais.         Emoções que fluem e são testemunhas da tragédia vivida por tantos escritores do Continente. Debruçados sobre esses testemunhos, Carlos Droguett, o romancista chileno exilado na Suíça, reflete e se surpreende. Surpreende-se que no teatro, na música, nas narrativas e nos poemas  que expressam os pensamentos, os suspiros e os sofrimentos dos intelectuais chilenos, paire um silêncio sobre o outro exílio. Aqueles que nenhuma das vozes que se levantaram considerou: O exílio dos que não saíram, não souberam ou não puderam sair do país. O exílio dos que sucessivamente, enfrentaram a delação, a prisão, a tortura, o desaparecimento, o assassinato e o absorveram e deixaram um testemunho escrito ou oral de sua passagem pela terra, de sua vertiginosa agonia na cela  no leito da tortura que também  eram a sua pátria

domingo, 22 de dezembro de 1991

Raízes existem


            Viveu entre 1899 e 1957 e dois anos depois de sua morte, o livro que nem chegou a ver publicado, Tierra y tiempo, recebeu o Prêmio Nacional de Literatura.

            Juan José Morosoli nasceu no interior do Uruguai, na cidade de Minas e lá, dono de um armazém, passou a vida. No livro de matrículas da Escola onde foi alfabetizado, consta que no segundo ano, abandonou os estudos para começar a trabalhar. Com vinte e quatro anos, já instalado como comerciante, se inicia no Jornalismo. Colabora em diferentes publicações, suas peças começam a ser apresentadas e, cinco anos depois, seus poemas e pequeno contos, por sua vez, começam a aparecer em livro. Neste ano de 1991, foi publicado em Porto Alegre (Mercado Aberto, Metrópole, Instituto Estadual do Livro), A longa viagem de prazer, uma coletânea de nove breves relatos que Sérgio Faraco selecionou e traduziu para o português.

            São histórias sobre seres anônimos, humildes, cujo reduzido mundo se situa à margem das transformações hodiernas e que se deixam viver imunes a quaisquer conflitos. São poucos complicados e pensam, falam e atuam de acordo com suas razões primitivas, com sua moral espontânea, mas não por isso menos digna, nem menos rígida, diz deles o crítico Mario Benedetti.  Vidas que deslizam na paisagem interiorana sem deixar marcas e que Juan José Morosoli imobiliza na palavra. No ensaio “Algunas ideas sobre la narración como arte y sobre lo que ella puede tener como documento histórico” que Heber  Raviolo cita no Prólogo da edição brasileira, Juan José Morosoli fala da temática e da gênese de seus contos: E então continuo olhando, me detendo, contando coisas que os tempos mudam, vidas que um dia vão embora pelo caminho de todos, vidas que ficam em mim para me ajudar a sentir a própria vida como a companhia de uma árvore ou de um cavalo ou de uma nuvem.

            Expressão de uma simplicidade tão autêntica e comovente quanto os tipos que descreve, quase sempre extremamente sós, mas receptivos ao gesto, à presença, à amizade. Assim, no relato “Dois velhos”, um  aposentado sente pena da solidão do outro e o convida para morar na sua casa. Assim, em “O viúvo”, a mulher aceita se casar com um homem que perdera a mulher  e tomar conta de seus filhos pequenos porque, ficou, também, com pena. E, assim, Umpierrez que vivia sozinho porque acreditava  desse jeito ser feliz, soube aceitar  a companhia de um burro de olhar agradecido e da mulher que se ofereceu para lhe preparar a comida.

            São tipos que pouco pedem e outros, que se contentam com muito pouco. No relato que dá nome ao livro, Tertuliano ao ganhar, numa rifa, um velho caminhão, pretende fazer uma longa viagem, de puro prazer, para conhecer o mundo e nada mais. Parte com seu amigo Aniceto, em direção do leste para ver o sol nascer. Viajam devagar e, no segundo dia, quando já estavam chegando, perto da fronteira com o Brasil, são detidos pela polícia e devem explicar para onde vão e o que levam no caminhão. A resposta de que nada levam e que apenas estão indo ver o sol nascer, não satisfez e são  levados para a delegacia. Esperaram pelo delegado e só depois de serem interrogados, voltam a estar em liberdade. Consideraram, então, que esperar mais um dia e uma noite, num lugar onde tinham sido maltratados, penas para ver o sol nascer, não valia a pena. E voltam. Já estavam em casa. Acabavam de esquentar a água para o mate. – Hermano – disse Aniceto -  fizemos uma linda viagem, mas vimos pouca coisa, não achas? – Não. As viagens começam depois que a gente chega. Isso eu te digo. Uma vez que fui  a Montevidéu, só na volta, quando comecei a contar tudo pros outros é que me dei conta que aquilo que eu tinha visto era uma coisa maravilhosa.

            Além da perfeição estrutural e estilística de muitos de seus textos, é nesse enraizar-se do autor e de seus personagens que se encontra uma das grandes qualidades dos textos de Juan José Morosoli. Uma outra e não menor, está em não temer as dificuldades de contar coisas simples, desse quase nada acontecer que povoa seu relato.

            É do homem do Continente e de suas andanças que ele fala. Simples. Ingênuo. Tocante. Um homem que muito pouco tem a ver com o brilho dos personagens de uma distante ficção forânea  e alienante que, muitas vezes, encabeça a lista dos livros mais vendidos no Brasil.

            Que haja no país quem perceba a beleza do texto de Juan José Morosoli e se proponha estudá-lo e traduzi-lo é algo extremamente auspicioso na medida em que permite o desafio de editar um autor que não chega precedido das tradicionais loas que ensejam as grandes tiragens. E que irá, sem dúvida, oferecer a muitos a tão necessária reelaboração estética e ideológica de que a elite dos países latino-americanos  é, por vezes, tão carente.




           

domingo, 15 de dezembro de 1991

A lei dos homens


             Aos cinqüenta e cinco anos, tornou-se conhecido nacionalmente ao publicar, pela Civilização Brasileira, A solidão segundo Solano Lopes. Agora, três anos depois de sua morte, a Mercado Aberto de Porto Alegre, lança Para morrer de amor. Um romance que os editores apresentam como carregado de um erotismo tão intenso quanto delicado e poético, um sopro de vida no panorama do romance brasileiro dos últimos anos [...].


            A partir de um egocêntrico mundo feminino que descobre no amor adúltero as suas fibras mais profundas, Carlos Oliveira Gomes, advogado e poeta, esboça um romance de tese. Sua personagem bela, rica, educada nos mais exclusivos colégios, freqüentadora dos mais fechados grupos sociais é nele a vítima. Por se ter descoberto mulher tardiamente, por se considerar incapaz de sobreviver despojada de seu cotidiano conforto. Vive, cuidando muito de si mesma,  a viver na beleza tropical do Rio de Janeiro, usufruindo do que a cidade pode oferecer aos ricos e morre a morte que pressentia lhe estar sendo destinada.

            Para morrer de amor é o relato desse despertar feminino e do preço que deve, por esse despertar, ser pago. É construído em dois movimentos narrativos: a voz feminina que expressa, sem pudores a descoberta de seu corpo ( um universo fechado no território de anseios e sensações); as anotações do narrador com vistas à elaboração de um livro ( reprodução dos autos de um crime passional). Um narrar paralelo em que o segundo movimento antecipa os fatos ao se inserir no primeiro. Intercalam-se, então, um lirismo extremamente erótico que idealiza os corpos e o ato amoroso e uma objetividade rígida, traduzida na linguagem jurídica do processo que se segue ao crime. O poeta e o advogado que se encontram para falar do ser feminino, violentado e destruído por quem alega ser seu dono.

            Na ficção, Para morrer de amor, a mulher  paga  e com a vida ter ousado outra entrega. O marido, o que decide, com cinco tiros, de seu destino, continua livre e rico, consolado por uma jovem e bela mulher.

            Numa de suas anotações, o narrador já observara: o chamado crime passional ainda desfruta de sólidas simpatias  na triste e atrasada América do Sul.

domingo, 8 de dezembro de 1991

Leitura do Brasil II

          O utópico todos  os homens são iguais perante a lei, perdeu, de certa forma, o sentido  quando na Revolução dos Bichos de George Orwell ficou evidente que a essa verdade  foi superposta uma outra: a de que sempre há os que são mais iguais do que os outros. Para esses, o Brasil é um paraíso.

      Obnubilados pelo tradicional  costume  de exclamar, quando sentem  em perigo alguma de suas pretensões ( mesmo as mais chãs como querer estacionar o carro em lugar proibido), sabe com quem está falando?, alguns brasileiros se auto-situam e disso estão, perfeitamente, convictos, como mais iguais do que os outros.

           Na verdade, eles se constituem uma casta. Isenta,  em alguns lugares em que as circunstâncias não o permitiram, do uso dessa expressão ridícula, trata-se, no entanto,  de uma casta que existe em todo e qualquer lugar do mundo. Tão universal quanto aquela que congrega os menos iguais do que os outros.

           No Brasil, entre “os mais iguais”e “os menos iguais” medeiam verdadeiros abismos que a cegueira herdada pela impermeabilidade das classes ou imposta pelos interesses em alienar uns e outros, impediu, por muito tempo, de perceber.
 
            No caso das crianças, “as mais iguais que as outras”, são as que possuem os bens necessários para uma vida correta e os privilégios que aponta Gontardo Galligaris no seu livro Hello Brasil! (São Paulo, Escuta, 1991) recém lançado no Brasil: comer o que lhe agrada, receber amigos,  poder passear e comprar à vontade.“As menos iguais”, aquelas milhares – e hoje, surgem vozes para dizer de sua penúria – que, no Brasil, já nasceram condenadas a viver no inferno das carências ou ao desaparecimento precoce..

           Situações extremas que permitem ao autor de Hello Brasil! , um psicanalista italiano radicado no Brasil, em 1989,  ver os felizardos que tudo recebem, como  crianças que  reinam  num país em que milhares de outras perambulam, abandonadas, pelas ruas,  como o registra a imprensa nacional e internacional. E o levam a elaborar uma explicação psicanalítica para o Brasil na qual se insere, também, esse fenômeno que é o país possuir uma elite que tudo concede  aos seus, enquanto se exime de qualquer responsabilidade em relação aos que são privados do mais elementar necessário.

           Com certeza, somente os especialistas da área poderão julgar se as palavras  de Gontardo Galligaris, como psicanalista, são pertinentes, se colocam entre as que são passíveis de discussão ou entre as que podem ser consideradas irrefutáveis.

         Porém, o ter tido olhos na “sua viagem ao Brasil”  para esses antagonismos sociais que no país se defrontam e ter, com seus olhos de europeu e com simplicidade,  se  espantado, faz dele um viajante excepcional.

          E suas notas de viagem – “Notas  de um psicanalista europeu  viajando no Brasil” é o sub-título do livro -  se constituem excelentes fios condutores para perceber, entre constatações e contestações, um Brasil, entre  os tantos que existem, que pode, então, ser delineado com novas cores ou com múltiplas nuanças.

domingo, 1 de dezembro de 1991

Leitura do Brasil I

            Entre as múltiplas migrações que, nos dias de hoje, acontecem no mundo em tão grande escala e em tão diferentes direções, uma tornou-se verdadeiramente excepcional:  a de Gontardo Galligaris, italiano, psicanalista em Paris desde 1974 que, em 1989, se instalou no Brasil.

            Para qualquer cidadão do Terceiro Mundo, mais ou menos informado, é plenamente aceitável e, até aconselhável, essa prática de atravessar fronteiras em busca de melhores condições de vida. Que um cidadão do Primeiro Mundo, porém, sem estar pressionado por razões econômicas ou ideológicas ou por um governo ditatorial, simplesmente opte por abandonar  o seu espaço civilizado e sedutor para se estabelecer no Continente é algo que se torna curioso e incompreensível para muitos.

            Diante dessa curiosidade e incompreensão que a sua rota inusual, contrária àquela escolhida pelos que emigram, provoca, esse europeu, cujas raízes piemontesas remontam ao século em que o Brasil foi descoberto, passa, por sua vez, a ser dominado por uma interrogação.  Depois de escutar, muitas vezes, e na boca sem meias palavras dos brasileiros das mais diversas categorias sociais, a frase “este país não presta”,  Gontardo Galligaris procurou respostas e empreendeu outro inusual percurso: o de entender o porquê dessa frase  que lhe provocou, repetidas  vezes, verdadeiro espanto.
 
            Então, Hello Brasil! (São Paulo, Escuta, 1991) que ele define como um escrito de amor:  ao mesmo tempo uma declaração, uma elegia e, naturalmente, um queixa e que resultou, segundo palavras da Editora, num brilhante ensaio que produz, no leitor, uma intensa e prolongada atividade de pensamento.

            Evidentemente, uma permanência de dois anos no país, mesmo que originada de uma paixão, como o autor o confessa, não lhe permite discernir certos detalhes, determinadas nuanças e reais significados do comportamento nacional. Mas, na medida em que os próprios brasileiros não se conhecem e, em muitos casos, pouco de comum têm entre si, dificilmente, uma aproximação poderá resultar satisfatória. Porque as dimensões do país e a conseqüente diversidade de seu território, sua população de mestiçagem diversa e, principalmente, a muralha de preconceitos que separa suas classes sociais, fazem dele um mundo desconhecido e inexplorado. E, sobretudo, porque, salvo as sempre honrosas exceções, grande parte de sua elite somente produz (quando o faz), inspirando-se nos considerados polos irradiadores de conhecimento ou, copiando o que esses pólos produzem enquanto ignoram, conscienciosamente, o que se passa a seu redor.

            Então, é deveras importante o que escreve Gontardo Galligaris. Por ser oriundo de respeitáveis países do Primeiro Mundo e ter chegado ao Brasil com importantes trabalhos publicados, suas palavras já vem precedidas daquela autoridade que as elites do Continente tem por hábito aceitar. Mormente porque, ainda não contaminado por leituras tradicionais – que, é evidente, não devem deixar de serem feitas – ousa observar o país a partir de seu acervo de psicanalista lacaniano e do acervo que as aventuras do dia a dia num país do Continente lhe possibilita adquirir.