Hoje ele trabalha no campo e
escreve um romance. Já foi professor de escola rural e já escreveu em vários
jornais de seu país e na revista alemã
Humboltd. Entre 1974 e 1975 viveu a mil e quinhentos quilômetros ao sul de
Buenos Aires, em General Roca. Datam de então, as cartas para Nicolás, seu
primeiro amigo nesse extremo sul do Continente onde chegou na época da colheita
das maçãs. No dia em que o menino fez três anos, Ramón Igarzábal, o uruguaio
recém chegado, deu-lhe de presente doze cartas que foram a origem de um livro
publicado neste ano pela Banda Oriental de Montevidéu.
Um
pequeno livro formado por vinte quatro
cartas-poemas de um dizer simples, cálido
e limpo, como muito bem o diz
José Maria Obaldía ao lhe fazer o prólogo e que se completa nas fotos que o
acompanham. E como que encerrados estivessem nessas páginas aquele que fala e aquele a quem se dirigem as
palavras: crianças marginalizadas pela pobreza que se deixam retratar por
Carlos Contrera no riso, nas brincadeiras ou no simples ato de ficar quieto,
olhando a vida.
Então,
palavras e imagens em Cartas a Nicolas ora se completam, ora se
distanciam, unidas no mesmo amor pela criança. Expressões que se alimentam das
nuanças luminosas, sugeridas por palavras que falam de sonhos ou daquele tom
sombrio do cotidiano pobre, fixado pela imagem fotográfica.
Ramón
Igarzábal fala de um mundo passado que foi o seu, preso à terra, onde o trigo ondula sob um céu eternamente azul, preso ao pátio de sua casa povoado de
laranjeiras e pardais e às lembranças e aos sonhos infantis.
Como
adulto, ao refazê-los, lhes confere uma luminosidade de azuis e dourados, uma
ternura pelos deserdados e uma crença em algo de feérico que, permanentemente,
entrelaçado aos mais puros elementos panteísta - a água, a luz, a terra, o vento – não está
longe de Deus. Uma crença que refúgio ou esperança não se ilude porque sabe os
humanos capazes de tirar um filhote de pássaro
do ninho para, mais tarde, engaiolado, ouvi-lo cantar; ou lançar – e
quais os motivos que o justificariam ? – a destruição em Hiroshima.
Sonhar
e inventar sem se mentir, permite – sem que isto possa dar impressão de
incongruência – que os textos de Ramón Igarzábal convivam harmoniosamente com
as fotos de Carlos Contrera. Elas focalizam crianças cujo sorriso não é
suficiente para apagar as evidências de uma pobreza que irá lhes fechar muitas
portas de acesso aos requisitos mínimos para querer ou exigir a vida ( e
alimentação, e saúde, e educação e lazer) que é direito de todos.
Cartas a Nicolas é um livro de sonhos e de
realidades entrelaçados num diálogo que,
sem ingenuidade, é expressão do Continente.

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