Desta feita, eles não vieram para
encontrar riquezas mas, para fundar uma cidade. Juan Núñez de Prado a imaginava
com as ruas calçadas, vasos de flores nas varandas e a alegria das crianças
correndo nas brincadeiras. Trouxeram grãos, móveis, roupas, instrumentos de
trabalho, animais domésticos para
refazer no Continente o que haviam deixado na velha península. E bois, ovelhas,
cavalos e galinhas e cães, acompanharam os ibéricos nessa caminhada que busca a
posse e um destino de glórias. E, aos
animais, assim como aos homens, o duro trajeto que são obrigados a fazer para
se assenhorear desse mundo desconhecido, também infringe sofrimentos: um belo cavalo negro que agora estava descolorido e devorado pelos tremores e
pela febre que ondulava nos seus olhos
tristes. Como os homens, entre eles,
há os que se aterrorizam diante do perigo, os que adoecem, os que se submetem
ao jugo, os que se resignam: uma ovelha
balava humilde, viam sua lã triste
ressaltar na penumbra, o focinho palpitava assustado e faminto.
Então
suas vozes – e o uivar dos cães, e o mugir dos bois, e o cacarejar das galinhas
– se misturam às vozes humanas, a seus murmúrios, interjeições e risos: bem no alto, o grasnar de bandos de pássaros que passavam entre o sol
e o nevoeiro, tão alto que somente deixavam relâmpagos curtos e luminosos de
suas asas, suaves relâmpagos de cor verde ou azul ou amarela, uma asa sangrenta
quase se agitava com urgência no alto, entre as folhas úmidas, uma cabecinha
orgulhosa e azul se esgueirava e deslizava entre os ramos.
Cores
e sons sentidos pelos homens e animais a
avançar sob esse céu desconhecido que
escuro ou iluminado, azul, imenso,
cálido, puro ou avermelhado, adquire, sobretudo, as nuanças das almas humanas
que a ele se expõem, e por isso, pode ser um
céu implacável, um céu tenso, um céu sem Deus.
Porque
era no tempo da Conquista e o Continente, ingênuo, se deixava despojar e se instalar nele um
prolongado domínio que, durante ininterruptos 500 anos, jamais deixou de exigir
a sua submissão ( e as árvores cortadas,
e o ouro roubado, e a vida transformada em morte) e o sacrifício de seus habitantes,
narcotizados pela fome, pela doença e pela ignorância. Principalmente, pela
impossibilidade de descrer das verdades impostas, poucos foram os que, ao longo
desse domínio, que se renova, sempre, com idênticos princípios, ousaram
replicar. Em El hombre que trasladaba
las ciudades (Barcelona, Noguer, 1973), os que o fizeram, foram mortos.
Muitos deles que só obedeceram, também.
Carlos
Droguett, o romancista chileno, que ainda hoje, prolonga um sofrido exílio na Europa, na criação de seu texto ficcional, fez emergir, dos
primeiros feitos ibéricos no Continente, o trabalho e o sofrimento dos homens.
Ao fixar, também, o sacrifício dos animais e das árvores abatidas, ampliou a
visão da conquista, aproximando-a dos dias que correm, em que a maioria das
vozes oficiais querem fazer esquecer que
o grande feito semeou, além das instituições, do idioma, da religião, muita
destruição e muito morte sem sentido.

