El mundo es
ancho y ajeno
foi traduzido para onze idiomas, inclusive
o português. No Brasil, país de reduzidos leitores, muitos dos quais
escolhem suas leituras nas listas dos best sellers e, provavelmente, ignoraram
os definitivos elogios que lhe propiciou o New York Times ( sem dúvida , algo fundamental para decidir os hesitantes), poucos
devem ter sido, no entanto, os que leram
esse romance de Ciro Alegria, publicado, em 1944, pela José Olympio.
Entre
o grande número de romances indianistas que surgiram no Continente depois da
publicação de Aves sin nido da peruana Clotilde Matto Turner, em 1889, El
mundo es ancho y ajeno, ganhador do “Prêmio Concurso de romances
latino-americanos, 1941”, se destaca
pelo número de edições em língua
espanhola .Na década de sua publicação, já havia vendido duzentos mil
exemplares, sem contar aqueles das edições piratas tão correntes na América
Latina.
Uma
infância e uma adolescência passadas nos Andes peruanos, lhe
possibilitaram o grande conhecimento das
comunidades indígenas. E, sobretudo, os cuidados que recebeu das índias e as
brincadeiras com os pequenos índios, determinaram essa ternura com que deles se aproxima. Ciro Alegria
descreve os índios como homens bons e em harmonia com a terra que trabalham.
É
essa mesma experiência de uma vida entre os índios que lhe permite ver, com
olhos lúcidos, o quanto, no nível individual e coletivo eles ficaram à mercê da
vontade dos brancos.
Em
El mundo es ancho y ajeno, essa vontade é expressa por Dom Álvaro
Amenábar y Roldán, um senhor todo-poderoso e dono de muitas terras o que não o
impede de querer, também, as terras da comunidade indígena de Rumi, afirmando
ser o seu legítimo proprietário. Na justiça, a comunidade apresenta os
documentos que lhe garantem a propriedade da terra, documentos esses que, por
meios criminosos, são queimados pelo latifundiário. Seus desejos, porém, vão
além: ele quer as terras, livres dos “comuneros” e para obrigá-los a sair, rouba-lhes o gado e os acusa de
ladrões, criando provas falsas que só
convencem o juiz corrupto. Ainda, consegue enviar para a cadeia o chefe índio
Rosendo Maqui cuja velha figura é o elo condutor de uma narrativa que se abre
com a palavra“Desgraça”. Rosendo Maqui volta de
uma caminhada pelas montanhas em busca de ervas medicinais para a
mulher, quando, diante de seus passos se lhe atravessa uma serpente. Para ele é
sinal de desgraça e embora a tenha
matado, não deixa de se repetir que significa o anúncio de desgraças. E, elas
não tardam em chegar. Foram tantas que, mais tarde, chegará à conclusão que tinha sido desgraça
demais para uma cobra só.
Ao
chegar em casa encontra sua mulher morta. Logo, se iniciam as demandas de Dom
Álvaro e seus atos de força. Depois, muitas outras que ele nem chegou a saber:
as que acompanharam os “comuneros”, expulsos das terras de Rumi em busca de outro destino nas
plantações de coca, nos seringais, nas minas, na fazenda de Solna. Sempre
maltratados, explorados e impedidos, pela miséria ou pela morte, de voltarem.
Na
verdade, o alcalde Rosendo Maqui intuíra
sempre que a desgraça maior para a comunidade nunca precisara ser anunciada
pelo rastejar de uma serpente. Ela se instalara entre os índios no momento em
que os brancos chegaram no Continente.
Sua
própria vida nunca fora isenta de humilhações que, no entanto, jamais o levaram
a mudar sua visão de mundo. Impassível ficou diante das ofensas e injustiças
dos brancos, como diante de um possível e útil aliado que não seguisse os seus
princípios. Assim, somente
aceitaria o bandoleiro Fiero Vasquez entre os seus se ele passasse a se dedicar ao cultivo da terra.
Porque nega a violência que ele e seu bando praticam, tanto quanto duvida de
seus resultados. No ataque à fazenda de Dom Álvaro, morrem dois de seus
defensores e, então, Rosendo Maqui lamenta: dois
pobres como nós, mas extraviados.
No
entanto, a violência dos bandoleiros lhe poderia, eventualmente, ser grata,
pois já vingara a comunidade da traição de um mascate, afogando-o num lamaçal e
da corrupção do advogado que falseara os fatos em favor de Dom Álvaro.
Recusando essas mortes e outras tragédias – os bandoleiros roubam o dinheiro que
o governador havia amealhado nem sempre honestamente, ao longo da vida,
desonram-lhe a filha – Rosendo Maqui mantém sem mácula a sua imagem, tornando
mais terrível e patética a sua morte.
A
partir de suas lembranças de homem probo – como chegou a ser alcalde, os
principais momentos que enfrentou, as vitórias que obteve – e o sofrimento que
vive ao enfrentar o latifundiário, vai se fazendo a história da comunidade de
Rumi. Pequenos relatos se lhe
acrescentam, registros de festas e rituais, descrições de atividade dos “
comuneros”, do povoado indígena, das plantações, dos tipos humanos e de seu
comportamentos, comentários do narrador se inserem desordenadamente, se ordenam para completá-la
E quando ele
morre sob os golpes dos soldados, a história dos índios e de sua comunidade não
se extingue. Durou para permitir, ainda, a resistência. Seu filho, já
alfabetizado e com diferente visão de mundo, acredita na resistência. A mão
armada, com outros “comuneros”, enfrenta a nova tentativa de despojo pretendida
por Dom Álvaro. Sua resistência foi sufocada pelas metralhadoras do exército.
Mortalmente ferido, se deixa cair diante de sua casa, diante de sua mulher que
tem o filho no colo. Foi até ela para pedir que fuja.
Então, é o grito feminino que sela o
destino do fracasso, da perda das terras, da identidade diluída. Aterrorizada,
ela murmura: “Para onde iremos? para onde?”.
Um grito
sufocado que no Continente ainda não mereceu resposta.
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