domingo, 21 de julho de 1991

O romance romântico na América: Cecilia Valdez II


            Na civilizada Europa de hoje há, ainda, aqueles que acreditam ser a Declaração dos Direitos do Homem diretriz que norteia as relações entre os homens e se escandalizam diante de situações que mostram  como esses direitos continuam, neste século XX, a serem ignorados. Esquecem, muitas vezes, que as estruturas econômicas, políticas e sociais vigentes, quase sempre, no Continente, são as mesmas instauradas pelos colonizadores e que permitem uma exploração do homem pelo homem que o Primeiro Mundo já não admite para os seus cidadãos.

            Jean Franco, pesquisadora inglesa, na sua Historia de la Literatura Hispanoamericana, ao tratar de Cecilia Valdés, observa que a indignidade da escravidão consiste em que um grupo de seres humanos tem o direito de tomar posse de outros seres humanos e tratá-los como se fossem objetos. Estamos chegando ao século XXI e, realmente, bem longe desse tráfico negreiro que, sob a bandeira inglesa, transportava para a América os negros da África.

            Mais perto dessa trágica ineqüidade,  esteve Cirilo Villaverde nascido em Cuba em 1812. Em Cecilia Valdés, romance que o imortalizou nas letras do Continente, a escravidão não apenas é uma presença constante, como ultrapassa as fronteiras da ficção. Cecilia Valdés não pode pretender casar com homem branco por ter nas veias sangre negro que, no entanto, apenas é percebido nos seus cabelos ondulados, no leve escurecer da pele próxima ao nascimento dos cabelos.

            À tragédia que desse obstáculo advém, razão primeira da narrativa ficcional, se alinham outras. As que, geradas na estrutura social que admite ser constituída de homens livres e de escravos. Os maus tratos – filhos separados das mães, castigos corporais desmedidos, torturas mentais e físicas -,  realidades testemunhadas pelos  historiadores  são inseridos em


            Evidenciam-se como ignominiosos os homens que tratam os outros homens como se fossem objetos de pouco valor. Don Candido Gamboa, riquíssimo comerciante de Havana, é deles síntese fiel. Mostra-se, exemplarmente, mau, no sexto capítulo, quando relata para sua mulher os percalços d e seu barco negreiro que está prestes a chegar com o seu carregamento. Para ficar mais leve, num momento em que devia desenvolver maior velocidade para escapar de um navio inglês, o capitão manda jogar no mar os negros que viajavam na coberta. Para salvar oitenta  ou cem fardos, iria o capitão da marinha expor sua liberdade e o restante do carregamento que era o triplo?, explica o proprietário que tampouco nega a necessidade de terem sido fechadas as escotilhas e, assim, perecerem sufocados os negros que viajavam nos porões.

            Diante do susto de sua mulher ao pensar nessas mortes todas, sem batismo, Dom Cândido Gamboa argumenta: E continua essa teimosia de acreditar que os fardos da África tem alma e que são anjos. Isto é blasfêmia. Pois daí nasce o erro de certas pessoas...Quando o mundo se convencer de que os negros são animais  não homens, então, vai acabar um dos motivos  que alegam os ingleses para perseguir o tráfico da África. Coisa semelhante acontece na Espanha com o fumo: proíbem o seu tráfico e os que vivem disso quando são perseguidos pelos guardas, soltam a carga e salvam a pele e o cavalo. Acreditas tu que o fumo tem alma? Faz de conta, então, que não há diferença entre um rolo de fumo e um negro, pelo menos no que se refere a sentimentos.

            No  prólogo a seu romance, Cirilo Villaverde admite que  ele é feito de cores sombrias e que os quadros que mostra não ensinam deleitando.

            Na realidade, a História do Continente apenas deleitou os seus  colonizadores.

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