domingo, 24 de março de 1991

Os descobridores I

          Prêmio Casa de las Américas, 1989, Maluco, la novela de los descubridores é o primeiro romance de um uruguaio de quarenta e quatro anos que até então tinha se dedicado, sobretudo, à crítica e ao ensaio.

            Narrativa feita em primeira pessoa por Juanillo Ponce, bufão que, obrigada pelas necessidades, inscrevera-se na armada que partiu da Espanha, sob o comando de Fernão de Magalhães para dar a volta ao mundo. Dos prodígios que viu, das maravilhas e dos prazeres que o extasiaram, das fomes e das dores que sofreu ele quer dar conta a Don Carlos V.

            Não como cronista – aquele que escreve para a glória de seu soberano – mas como quem viveu com todo o seu ser os episódios que narra, Juanillo Ponce refaz o navegar da nau Trinidad e das outras quatro que a acompanhavam, a Victoria, a Santiago, a San Antonio e a Concepción desde que deslizaram pelo rio em busca do mar-oceano.

            Deixam Sevilha para trás, costeiam as Canárias, se detém frente às costas de Serra Leoa e como que eternamente, buscam no sul o caminho para chegar, outra vez, a Sevilha.

            Ao partir, as margens do rio ofertam imagens de um mundo que apenas se move: são meninos  que pescam encarapitados nas velhas pedras de uma ponte moura; são camponeses que, nas vinhas carregam cestos ou que numa cuba  pisam as uvas recém colhidas; são mulheres de preto que se levantam da colheita para olhar os barcos que passam.

            As mesmas imagens esperam pelos barcos quando eles regressam: os meninos estão lá na ponte a pescar; com as cestas nas costas e as uvas sob os pés, lá  estão os camponeses e, também, lá estão as mulheres de negro a fitar o barco que, agora, desliza rio acima.

            Desse mundo estático, fugira Juanillo Ponce.

            Os olhos cheios de formas e de cores jamais vistas ( e pássaros vistosos e árvores imensas); o olfato, rico de odores nunca imaginados ( o aroma adocicado da terra); o coração repleto de conhecimentos da alma  humana que as confidências geradas na solidão lhe foram propiciando, ele volta. Para, outra vez, penetrar no estático, no cristalizado Velho Mundo que condena os que não foram escolhidos por Deus e pelo Rei à miséria e à fome.

            Juanillo Ponce dera volta ao mundo. Pobre, ele partira e, pobre, regressara. Para constar, ele refaz com palavras, a viagem. E capitães e desconhecidos heróis saem das sombras e os barcos adquirem vida e o mar é um personagem.

            Publicado pela Seix Barral de Barcelona,no ano passado, esta saga dos descobridores é mais um capítulo da História do Continente que se escreve. Napoleón Ponce de Leon, conhecedor do mar e dos homens, deles fez poesia, deles tirou verdades.

            E, contando coisas que aconteceram em 1519 ele transcende, disseram os jurados de Havana, a recreação de uma época para elaborar um texto de profunda significação contemporânea.

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