Porém,
antes de partir com a criança nos braços, pode ver, pela janela, a marquesa
através dos tules dos mosquiteiros. Estava de costas, nua e empoava o rosto.
Uma visão que nunca mais o
abandonou e o fez peregrinar pelo
Continente quando as lutas afastaram a Marquesa de Buenos Aires. Procurou-a
durante onze anos e quando estiveram face a face, ela mal lhe concedeu um
olhar. Estavam no México e Baltazar Busto havia atravessado o imenso espaço do
Continente para encontrá-la. No seu
caminho sinuoso, a imasgem feminina havia guiado por uma América que se
rebelava e, rebelde, o amante foi, também seguindo o seu caminho. De suas
terras no pampa argentino ele parte para se luzir na guerra e poder, então,
pretendê-la.
Chile, Peru, Panamá, México. Um
Continente em fogo, cujos filhos se degladiam sem saber porque ou por
princípios que reacendem aqueles mesmos que desejam substituir. Os conceitos
desfilam: igualdade, liberdade, justiça. E
quem da Argentina até o México não contém, encerrado no peito, um advogado
tratando de se escapar e lançar um discurso. E os vícios se mostram: o
racismo, a opressão sem freios, o abuso do poder, o desprezo pelos seres e
pelas coisas que povoam essas extensões conquistadas para o sofrimento e para a
dor de quase todos.
Baltazar Busto da cor
de avelã, a pele queimada, a cabeleira de mel, a barba e os bigodes loiros e,
sobretudo, míope, quer entender o que vê e o que ouve. Para o pai, um gaúcho
sem letras, ele havia dito: o que desejo
é consolidar alguns direitos pra muitos onde só havia muitos direitos para
alguns. Basta terminar com um só abuso, com um só privilégio para que a
revolução se justifique.
Em
cada foco de rebelião, em cada guerra, em cada luta presenciada ou vivida,
encontrou o desejo do Poder do qual, ainda que por um momento fugaz, ele
próprio não foi poupado. De cima de seu cavalo, ele falou aos índios. Numa
carta, confessará: Senti-me por um
momento, mortalmente orgulhoso, também
de minha superioridade mas, ao mesmo tempo, enamorado da inferioridade
alheia.
E
a, assim, mentada inferioridade – dos que não são europeus, dos que não são brancos,
dos que não são cultos – irá justificar o dizer dos espanhóis. E disse o
Marquês de Cabra: Mestiço de merda, limpa
as barracas,faz a minha cama, esfrega o chão, desinfeta as retretas, traz
lenha, me serve água, não reclames se te dou um ponta-pé no traseiro, não
deixes escapar um suspiro se te esbofeteio, não levantes a cabeça se eu te digo
de olhar os meus pés, mestiço de merda, pois nem à altura de meus pés chega a
tua alma, se é que a possuis, pobre diabo.
Diante
dos quadros do cotidiano que se repetem no Continente, nada ficou sem dizer
neste definitivo dizer do Marquês. Modelo e lei que ainda reinam.
Em
La campaña, romance publicado pelo
Fondo de Cultura Econômica em 1990, década de repensar a conquista da América,
Carlos Fuentes não escamoteia o que somos.
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