Publicado
em dezembro de 1989, em Montevidéu, sob a rubrica “Ediciones Del Chanchito” e
distribuído pela América Latina, aparecerá, em breve, no Brasil, El Libro de
los abrazos de Eduardo Galeano.
Desde
que se iniciou, no jornalismo, com charges políticas, ainda adolescente, trinta
e sete anos se passaram para que ele unisse os seus talentos de escritor e de
desenhista. Finalmente, eles se abraçam nessa obra, se completam, embora, por
vezes, pareçam pertencer a mundos diferentes.
São
duzentas e cinqüenta e oito páginas, onde, contidos por uma linha que lhes
impõe fronteiras, reinam cento e noventa
e um texto e uns cem desenhos.
Como
Dias y noches de amor y de guerra, Prêmio Casa de las Américas, 1978, em
cuja epígrafe consta tratar-se de histórias reais, escritas a partir de
lembranças do autor, El Libro de los abrazos é, também, um livro
de lembranças. Certamente, mais emocionadas.
Onze
anos se passaram entre um livro e outro e foram anos sem inocência para o
Continente. A vida firmemente enlaçada à vida de seus semelhantes e às coisas
da América, Eduardo Galeano, agora, recorda, retomando a etimologia do verbo
latino, voltar a passar pelo coração.
De
suas andanças pelo Continente, de suas tantas extraordinárias vivências, de
suas ternuras, resulta um livro habitado
por figuras e atos exemplares que se sobrepõem aos negros abismos de ignorância
e maldade que, também, ou , principalmente, fazem a história do Continente.
Como
se possuísse a América inteira, Galeano vai de Manágua a Buenos Aires, de
Santiago do Chile a Nova Iorque, de Montevidéu ao México. E a possui, ao
permitir-lhe a entrada no coração. É dele que o Continente emerge pela voz das
crianças, dos índios, dos presos, das palavras escritas nas paredes.
Por
vezes, são figuras conhecidas as que aparecem. Neruda, Onetti, Benedetti,
Cortázer, Árguedas, Gelman. Outras, aquele personagem luminoso, que o
acaso colocou no seu caminho e que, recriado por ele, passa a testemunhar a
vida do Continente.
Assim,
a risonha história daquele motorista da linha 68 da cidade de Havana que
abandona o ônibus que dirigia, mais os seus passageiros, para se lançar à conquista de uma bela jovem que
tomava sorvete na esquina.
Ou,
a tristemente memorável história de Bráulio Gómez, um dos músicos do conjunto
“Los Olimareños”. Na prisão, onde havia ido parar por se dedicar à leitura de
uma biografia de José Artigas, de alguns poemas de Antonio Machado e do Pequeno
príncipe, um soldado, porque sim, lhe pisara sobre os dedos. Ao chegar,
exilado, em Barcelona, Eduardo Galeano se ofereceu para fazer-lhe uma
entrevista onde pudesse contar isso que lhe acontecera. Bráulio Gómez prefere
calar, explicando que cedo ou tarde, a mão iria ficar curada e que ele não
desejaria, então, desconfiar dos aplausos.
Mas,
entre emoções e sonhos e ditos infantis
e encontros de amizade e acertos com o passado, ainda
sobram as histórias que acontecem num Continente habitado por racistas, por
preconceituosos, por hipócritas, por oportunistas, por exploradores, por
desmemoriados, por colonizados.
No
prazer do texto, na sedução das imagens e das palavras é quando, docemente
envenenadas, se inserem as flechas. E delas precisa o Continente.
A Cultura do
terror /7
O
colonialismo visível te mutila sem dissimulação: te proíbe dizer, te proíbe
fazer, te proíbe ser. O colonialismo invisível, ao contrário, te convence de
que a servidão é o teu destino e a impotência de tua natureza: te convence de
que não se pode dizer, não se pode fazer, não se pode ser. Eduardo Galeano.
(tradução de Cecília Zokner).

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