Chama-se
“romance testemunho”. Seu autor, Miguel Barnet, nascido em 1940, em Cuba, grava
informações, procura outras leituras, cria situações dramáticas e personagens
reais. Quer mostrar o coração do homem.
Desse homem que a historiografia burguesa marcou com o signo de um fatalismo
proverbial, inscrevendo-o entre os que não tem história. São suas, estas
palavras que antecedem as primeiras páginas do romance La vida real,
publicado em La Habana, por Letras Cubanas, no ano passado.
Julián
Mesa é um desses homens inscritos entre os que não tem história ou cuja
história não interessa porque o seu registro significa, também o registro de
milhares de outras, semelhantes ou iguais, que, certamente, para alguns,
deveriam ser ignoradas.
Na
luta para garantir a sobrevivência, Julián Mesa é sempre vítima de uma sucessão
de desgraças. Elas começam quando ele ainda está no berço de onde é arrancado
para ser salvo de um incêndio. E fogo e trabalho irão marcar-lhe a vida. Aos
doze anos, trabalha na plantação de cana. Depois, será mandalete, lustrador de
sapatos, ajudante de circo, caixeiro numa loja, vendedor ambulante, limpador de
vidros, porteiro. E, assim, pouco a pouco, ele consegue juntar dinheiro para
emigrar. Nos Estados Unidos, ele recomeça – ajudante de garçom, garçom,
vendedor ambulante – até conseguir, já velho, ser zelador de um edifício. Sem
nunca ter deixado de sonhar com a terra natal, sem nunca ter pretendido deixar
de ser cubano.
Momentos
líricos, dramáticos se introduzem na narrativa. Também contos populares,
crendices e expressões que desenham a geografia de Cuba pré-revolucionária ( e
corrupção e exploração ). Inúmeros anglicismos
e conceitos e valores irão delinear Nova Iorque onde, em modernos
guetos, os negros e mulatos de Cuba e de
Porto Rico – conservando-se dentro dos limites impostos pela cidade e pelos
seus habitantes – encontram um mínimo lugar ao sol.
Julián
Mesa, todos os sentidos voltados para Cuba, acompanha as mudanças que a revolução vai instaurando e aspira pelo regresso pois
os anos de ausência só o fazem acreditar mais e mais nas palavras de José
Marti: não há lar em pátria alheia.
Porém
a velhice, a filha norte-americana e o não desejar ser uma carga para o país
que não ajudou a construir o retém no espaço alheio em que vive à meias porque,
na realidade, como ele diz, de Cuba, ele verdadeiramente, nunca saiu.
Sua voz é
expressão de amor pelo seu país e testemunho das penas de um homem que
nasceu pobre e pobre ficou. Mas, ela, se
levanta, também, para dizer o que já dissera, no século passado, Martin Fierro,
o trovador dos pampas: dos pobres, as
razões são sinos de madeira.

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