domingo, 17 de junho de 1990

Sinos de madeira



                                            Chama-se “romance testemunho”. Seu autor, Miguel Barnet, nascido em 1940, em Cuba, grava informações, procura outras leituras, cria situações dramáticas e personagens reais. Quer mostrar o coração do homem. Desse homem que a historiografia burguesa marcou com o signo de um fatalismo proverbial, inscrevendo-o entre os que não tem história. São suas, estas palavras que antecedem as primeiras páginas do romance La vida real, publicado em La Habana, por Letras Cubanas, no ano passado.

            Julián Mesa é um desses homens inscritos entre os que não tem história ou cuja história não interessa porque o seu registro significa, também o registro de milhares de outras, semelhantes ou iguais, que, certamente, para alguns, deveriam ser ignoradas.

            Na luta para garantir a sobrevivência, Julián Mesa é sempre vítima de uma sucessão de desgraças. Elas começam quando ele ainda está no berço de onde é arrancado para ser salvo de um incêndio. E fogo e trabalho irão marcar-lhe a vida. Aos doze anos, trabalha na plantação de cana. Depois, será mandalete, lustrador de sapatos, ajudante de circo, caixeiro numa loja, vendedor ambulante, limpador de vidros, porteiro. E, assim, pouco a pouco, ele consegue juntar dinheiro para emigrar. Nos Estados Unidos, ele recomeça – ajudante de garçom, garçom, vendedor ambulante – até conseguir, já velho, ser zelador de um edifício. Sem nunca ter deixado de sonhar com a terra natal, sem nunca ter pretendido deixar de ser cubano.

            Momentos líricos, dramáticos se introduzem na narrativa. Também contos populares, crendices e expressões que desenham a geografia de Cuba pré-revolucionária ( e corrupção e exploração ). Inúmeros anglicismos  e conceitos e valores irão delinear Nova Iorque onde, em modernos guetos, os  negros e mulatos de Cuba e de Porto Rico – conservando-se dentro dos limites impostos pela cidade e pelos seus habitantes – encontram um mínimo lugar ao sol.

            Julián Mesa, todos os sentidos voltados para Cuba, acompanha as  mudanças que a revolução  vai instaurando e aspira pelo regresso pois os anos de ausência só o fazem acreditar mais e mais nas palavras de José Marti: não há lar em pátria alheia.

            Porém a velhice, a filha norte-americana e o não desejar ser uma carga para o país que não ajudou a construir o retém no espaço alheio em que vive à meias porque, na realidade, como ele diz, de Cuba, ele verdadeiramente, nunca saiu.

            Sua voz é expressão de amor pelo seu país e testemunho das penas de um homem que nasceu  pobre e pobre ficou. Mas, ela, se levanta, também, para dizer o que já dissera, no século passado, Martin Fierro, o trovador dos pampas: dos pobres, as razões  são sinos de madeira.

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