domingo, 22 de outubro de 1989

As desventuras de Batman no Chile

            Ele chegou com toda a ingenuidade e pureza de intenções. Veio falando um espanhol aprendido em Porto Rico ou por correspondência: nos momentos difíceis, aí está Batman.

            Juana Sommers, agente da FBI que fizera seu aprendizado nos corpos da Paz, sub-secretária de relações públicas do primeiro administrador dos capitais estrangeiros,  o recebeu emocionadíssima. Seu coração, embora  dotado de músculos de aço, se inflamou como se tivesse sito tocado pela bandeira norte-americana flameando numa festa de formatura. Num helicóptero, fugindo dos jornalistas, ela o conduz para os contatos profissionais necessários; depois, para outros mais íntimos.

            Em mansões com pistas de aterrissagem  e escadas de mármore, providas de corredores e portas secretas, em ambientes com paredes de vidro transparente e luz estroboscópica, Batman tenta, seriamente, entender para quem e em que momento deve lutar.

            Entre Juana Sommers, há sete meses sem apoio psiquiátrico, Willlie Morgan, o inspirador econômico da Revolução Conservadora, ex-presos de Alcaraz  e esquerdistas infiltrados no esquema de segurança, o primeiro e maior problema de Batman foi a falta de respostas para suas perguntas: quem eram no Chile, os verdadeiros representantes da lei e da Ordem? Onde estava o inimigo?

            Com ou sem razão, acabou preso nas malhas de uma lei que não chegou a entender. Apreenderam-lhe seus apetrechos de luta e num deles acharam um pouco de cocaína. Como se isso não bastasse para deixá-lo aturdido, Batman deu-se conta que o poderoso cidadão chileno a quem viera ajudar a dar um fim na  “ditadura do proletariado” era um fora da lei. Depois, tomou conhecimento que o estrangulador que ajudara a mandar para Alcaraz, estava em liberdade e a serviço da CIA, mal passados cinco dos vinte que deveria ficar na prisão. E, tão atônito que chegou a transpirar, ainda escutou Juan Sommers explicando: Nós os corrompemos com o seu próprio dinheiro e ocupamos seus países com seus próprios exércitos porque precisamos dessas guerras parciais para que nossa economia não perca o ritmo de crescimento.

            Entrincheirado na sua convicção – nós combatemos o comunismo- só atinou a pensar que a sua visita a esse país democrático tinha sido extemporânea. Ou tinha chegado cedo demais ou demasiado tarde. Seu único grande feito acabou sendo  o de salvar uma jovenzinha de uma perseguição amorosa indesejável.
            Do Chile, só conheceu uma azulada lua minguante e um pedaço da cordilheira branca de neve . E esses  chilenos, empregados das grandes companhias norte-americanas, gentílíssimos com seus patrões.

            Partiu para encontrar, como a secretária Juan Sommers, um destino inglório, fruto da catarse do romancista.           

            Enrique Lihn, poeta e contista chileno, escreveu essa história que chamou Batman no Chile. Em junho de 1973, ela foi publicada pela Editora De la Flor, de Buenos Aires. No dia 10 de setembro desse mesmo ano, era bombardeado o Palácio de La Moneda em Santiago e assassinado o presidente Salvador Allende.

Nenhum comentário:

Postar um comentário