A
história é anunciada como sendo a de um conflito íntimo vivido por um pequeno
funcionário, Francisco Sanctis, na Buenos Aires de 1977. Um conflito que se
inicia no entardecer de uma sexta feira do mês de novembro e que se prolongará
até as primeiras horas do sábado quando terá
à revelia do protagonista, a solução.
Entre
o início e fim dessa luta de “índole
moral”, transcorrem umas dez horas de indagações, respostas, deambulações pela
cidade e, interrompendo o longo monólogo de Francisco Sanctis, dois diálogos
exemplares. São conseqüências daquele que, na tardezinha do dia 14 de novembro,
tirou o pequeno funcionário de seus pequenos hábitos e de seu pequeno mundo
para lançá-lo, de súbito, na realidade
de uma situação político-social extremamente agressora quando lhe foi confiada uma tarefa precisa e urgente: prevenir duas pessoas que seriam presas, naquela noite, pela repressão.
Quando
se inicia a longa noite e as horas
passam e o prazo fatal se aproximava, os diálogos que Francisco Sanctis estabelece irão
emocioná-lo e, por fim, decidi-lo à ação.
Na
esperança de encontrar alguém para executar a difícil tarefa, acredita poder
contar com seu ex-vizinho Marcelo Perugia, um homem de aparência impecável, de
grosso anel de monograma no dedo. Antes
de se decidir a tocar no assunto, primeiro se defronta com aquele otimismo
próprio de quem, em dois anos, conseguiu se mudar de um pequeno apartamento
para uma bela casa de bairro rico e que
acredita que as coisas, na realidade, vão
muito melhor do que as pessoas supõem e que, num par de anos, o pais estará em
ordem. Nas frases seguintes do interlocutor, se depara com convicções que lhe
parecem medievais ao ouvi-lo pregar a necessidade de duzentas mil execuções
para que o país atinja um franco desenvolvimento.
Francisco
Sanctis se dá conta de sua própria ingenuidade ao perceber que nunca havia
pensado que há pessoas que se adaptam às mais estranhas circunstâncias. Nada as
impede de estar sempre em boa situação e sem o menor esforço confundem seus
ódios e amores com os ódios e amores daqueles que governam. Volta-se, então,
para quem, na clandestinidade, poderá ter ligações que facilitem a entrega do
recado; porém, mal iniciado o diálogo, fica bem claro que o jovem que está
diante dele é um perseguido trêmulo e inseguro que não dorme há três noites,
esperando que alguém lhe traga os novos
documentos para poder sair do país, tomando
um ônibus para o Brasil.
Francisco
Sanctis vê nele um daqueles duzentos mil que a repressão procura exterminar e
se dá conta, ao escutá-lo, que a cidade em que vive é um mundo desconhecido, dramático, sem
esperanças, terrível. Um mundo cuja existência mal suspeitava.
Na
imensa solidão em que se encontra, não mais discute consigo mesmo. Decide ir em
busca dos endereços citados e se embrenha na viagem urbana que irá varar a
noite. Na madrugada, dentro de um táxi,
irrompe a voz de Roberto Carlos falando num milhão de amigos. Exatamente quando
está agradecendo ao Senhor por um monte
de bobagens é que Francisco Sanctis se aproxima do local que procura,
momento final de sua peregrinação e de sua longa noite. O drama íntimo, por
fim, se resolvera.
Como
já o fizera em Dioses, hombrecitos e
policias ( 1977), em La larga noche
de Francisco Sanctis ( Bruguera,
1984), Humberto Costantini narra as atribulações de um homem comum que se
esforça para vencer o dia a dia, ignorando os terríveis momentos cruciais que são
a realidade do país.
Os
fados, porém,não permitem que um inocente viva em meio ao caos e armam ciladas.
São elas que, transformadas em matéria romanesca, trazem no seu bojo a História
do Continente.

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