Submergido
no que chamou de lodaçal do exílio, o
poeta, obnubilado pela falta que lhe faz Buenos Aires e até por convicções patrióticas que o impedem de ser feliz fora de seu país, é incapaz de
apreciar as cores e os sons que o México lhe oferece. Distante da cidade que
ama, para se salvar, para se encontrar,
para ressuscitar, Humberto Costantini realiza o seu ritual. Coloca os
óculos, acende um cigarro, toma uns mates e se dispõe a esperar que lhe nasça
uma história com a ajuda de Deus ou das musas do chimarrão. Uma
história que aconteça em Buenos Aires, onde ele entra sub reticiamente pela mal vigiada fronteira da imaginação.
Contorna
os quartéis e delegacias e postos policiais e ignora o nó da garganta e as
imprecauções que lhe acodem por se saber tão longe. E com os olhos nostálgicos
do exilado, extasia-se diante do lugar que mais lhe parece ser merecedor de
elogios: o Rosedal. Onde há muitos anos florescem rosas e onde, em torno dos
caramanchões floridos, eram os seus passeios de domingo.
O
tempo passou, as rosas desapareceram. Não as lembranças. Aquelas que foram de
seus pais, eternizadas em fotos e as suas próprias lembranças que remontam à
infância, à adolescência, aos passeios com os filhos, aos passeios com os netos
e nas quais se inscreve uma lembrança de futuro ao se ver ali, sentado num dos
bancos, aos setenta anos de idade.
E,
se apegando às emoções das lembranças, conta uma história que não desejaria
fosse verdadeira. Porque Humberto Costantini se deteve no prazer de estar no
parque de flores desabrochadas – e são lírios, begônias e glicínias – e de sol
a despejar-se sobre as árvores. E, porque, nessas imagens de aquarela se
insinuou a mancha de um Ford Falcon. Visão que o poeta consegue apagar por duas
vezes. Mas que, mancha suja enorme
abutre/como um pesadelo ousado no asfalto, na terceira vez que aparece
vence os esforços do poeta e persiste.
Então,
o narrador, sabendo que de seu bojo viria a repressão, teve medo do que iria,
fatalmente, ocorrer logo depois. Para evitar que tristezas e tragédias e
massacres entristecessem a sua história só lhe sobrou um caminho: retirar a folha da máquina e deixar a
história para sempre inconclusa.
Publicado
em Cuestiones con la vida ( Buenos Aires, Galerna,), “Rosedal” é um
longo poema de muitas estrofes cujo número de versos varia numa construção sem
sinais gráficos de pontuação e sem maiúsculas. Escritos num espanhol americano
que é uma exata reconstrução do linguajar de Buenos Aires - O civilizado transcendente e culto portenho
universal - como o define o poeta, são versos cintilantes, inventivos,
espontâneos, de um profundo lirismo e marcados por aquele humor que Luigi
Pirandelo definiu: algo que leva ao riso e logo, rapidamente, ao amargor.
“Rosedal”é
um canto à vida. Ainda que a alegria de viver
e de construir se interrompa, às
vezes, e que a presença de um Ford Falcon – um
pedaço de sombra, uma imundície vinda de quem sabe onde- não deixe esquecer que, em
Buenos Aires, houve momentos em que a tristeza reinou, soberana, e não apenas
por uma rosa perdida.

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