domingo, 12 de fevereiro de 1989

Era uma vez um rei

                                                                           Montezuma: Meu conselheiro também sonha?
Tzompatecuhtli: Não nos deixastes outra liberdade, senhor. (Carlos   Fuentes) 

            Em Todos los gatos son pardos, Carlos Fuentes concede voz a Montezuma. Autoridade suprema, deus, sol, ele decide a sorte do Império asteca e dispõe da vida de seus súditos.

            Ao nascer, outra vez, para o rito teatral, ele se humaniza pelo medo e pela dúvida que nele se instalam e que irão despojá-lo do poder e conduzi-lo à derrota. O medo que sente é de si mesmo; as dúvidas, nutridas pelos deuses. Entre as ordens que deles recebe (ou lutar ou pacificar) , entre ser vítima ou verdugo Montezuma verbaliza o que deveria continuar a ser silêncio: O que seríamos sem nossos trajes senão dois coitados idênticos a todos os coitados do reino?, pergunta a um de seus deuses. Ou hesita na escolha do deus a quem deve servir: seja com a paz ou com a guerra, seja com a palavra ou com a ação.

            Também pululam idéias e queixas e críticas a seu redor. Na base da pirâmide social há quem duvide das verdades atribuídas aos deuses, inventadas para legitimar privilégios. A sua volta, há quem entenda que tais verdades podem ser injustas; ou quem tenha visto alguns poucos se apropriando de muito; ou, ainda, quem infeliz, sonhe com a paz, com a amizade, com o trabalho.

            São mil desejos de coisas impossíveis que se opõem à vontade do rei.

            Então, do outro lado  do mar vieram os homens brancos: vestidos de prata ou rocha, deles vendo-se, apenas, o rosto e o rosto era branco e os olhos garços e os cabelos vermelhos e as barbas longas.

            Foram ajudados pelas dúvidas que pairavam no Império, pelos desconsolos de muitos, pela crenças nas profecias. Traziam, também, para defender seus privilégios, verdades divinas. Em nome delas, implantaram suas leis.

            Os homens do Continente continuaram submissos.

            Todos os gatos são pardos, resumiu Carlos Fuentes ao dar título a sua peça. Uma peça que, escrita, em 1970, até hoje, nunca foi montada.                                                                                

                                                                                  Em  Canela, janeiro de 1989.

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