Três foram teus nomes, mulher: o que te
deram teus pais, o que te deu teu amante, o que te deu teu povo... Malintzin,
disseram teus pais; feiticeira, deusa da
má sorte e da contenda de sangue...
Marina, disse teu homem lembrando o oceano por onde veio até estas
terras... Malinche, disse teu povo: traidora, língua e guia do homem branco.
Carlos Fuentes, Todos los gatos son pardos.
Carlos Fuentes, Todos los gatos son pardos.
Em 1519 da era
cristã, Hernán Cortés iniciava a conquista do México. Contou essa conquista nas
“Cartas de Relación” que enviou aos soberano da Espanha onde descreve as novas
terras, seus habitantes e riquezas e, com detalhes, as próprias façanhas. Sobre
Marina, calou-se. No entanto, sem a princesa índia que recebera de presente e
que tomara como amante ( depois de batizá-la), certamente o resultado do
confronto com os indígenas teria sido diferente.
No
primeiro volume de Memória del fuego de
Eduardo Galeano, Marina, vestida como espanhola e cavalgando ao lado de Cortez,
chega a Painala, lugar de sua infância. A mãe se aproxima, em prantos, pedindo
perdão, Marina faz com que se levante, oferece-lhe os colares que usava e,
outra vez, segue seu caminho ao lado dos espanhóis.
Na
verdade, Hernán Cortez, ao longo dos anos de conquista, a manteve sempre a seu
lado. Intérprete, conselheira, amante, mãe de seu filho.
Na
peça de Carlos Fuentes, Todos los gatos
son pardos é a sua voz que inicia a narrativa, vindo do fundo do auditório.
Vestida com uma túnica indígena branca, traz nas mãos uma tocha e tem os
cabelos negros, longos e revoltos. Avança para o palco e sua voz se ergue para
assumir os três papéis que lhe atribuíram:
deusa, amante ou mãe eu vivi esta
história e posso contá-la
Corria
o ano de Ce Acatl na cronologia asteca e as profecias – deuses claros chegando
do mar – estavam prestes a serem cumpridas. A profecia que marcou o nascimento
da princesa índia (ser deusa de má sorte) conduziu os seus passos. Foi escrava
e como escrava oferecida ao homem branco. Nenhuma afeto a ligava a seu
nascimento e a seu povo. Como amante do capitão espanhol, ela escolheu o seu
destino. Conhecedora dos segredos de seu povo e dos segredos dos espanhóis,
revelou uns e calou outros: Guardarei
teus segredos, senhor, e te contarei os de minha pátria. Tu, pela minha boca
saberás tudo sobre ela e ela nada saberá a não ser a mentira que assegure tua a
vitória . Es plebeu e mortal. Pela minha boca serás deus e imortal.
Hernán
Cortez atravessou as montanhas com um punhado de homens e ao chegar diante de
Montezuma a sorte do Império já tinha sido selada. As profecias acovardaram os
seus habitantes e tornaram inerte o rei.
O espanhol viera para vencer. Entre eles a voz feminina: Senhor, escuta-me, senhor: ao terminar a batalha enterra os teus
mortos. Que meu povo não veja que teus homens são mortais.
Repudiada
ao nascer, vendida e humilhada pela escravidão, possuída por um estrangeiro, a
ele se aliou e a ele entregou o futuro de seu povo. Foi esse papel que a
tradição conservou e dos três nomes que possuiu foi guardado o terrível:
Malinche, traidora.
Como
verdadeira maldição a pesar sobre muitos e muitos habitantes do sul do rio
Bravo, a predisposição para entregar as riquezas do Continente ao estrangeiro
que, e assim o dia a canção de Gabino Palomares, continua a chegar. A chegar e a oferecer em
troca das selvas do Continente os seus espelhos sem brilho e as suas contas de
vidro.
Em
Canela, janeiro de 1989
Triste drama de ser mulher, e intérprete de línguas...
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