O
General Omar Torrijos, dirigente do Panamá que ousou lutar para que o Canal do
Panamá passasse a ser dos panamenhos, morreu no dia 31 de julho de 1981 num
acidente aéreo cujas causas não foram esclarecidas.
Mi general Torrijos, um livro testemunho sobre ele, recebeu, em
1987, o Prêmio Casa de las Américas. Seu
autor, José de Jesús Martinez, lecionava Filosofia na Universidade panamenha
quando o então tenente-coronel Torrijos assumiu o poder em 1968. Resistente ao
golpe militar José de Jesús Martinez perdeu o seu lugar na Universidade e foi
procurar trabalho em Honduras. Ao regressar, algum tempo depois a seu país, foi
reintegrado à Universidade como professor de Matemática, disciplina que fora
estudar em Paris. Na Universidade, buscou refúgio ( é a palavra que emprega)
num grupo de cinema experimental e, um
certo dia, foi com o grupo até a Base Militar do Rio Hato filmar a chegada de estudantes para uma jornada
de trabalho. Insone, de madrugada, se levanta e atento a um ruído desconhecido
que se aproxima, acaba por perceber que era o canto de mil recrutas
recém-chegados à Base. Um canto que expressava a indignação pela presença dos
norte-americanos na zona do canal e um entusiasmo ímpar na luta para tornar
possível o sonho de ver a bandeira panamenha em cada canto do país. O sentido
do canto, os valores e o entusiasmo nele contidos mostraram ao então professor
universitário um caminho: tábua de
salvação para o naufrágio existencial
em que se encontrava.
E, aos quarenta e cinco
anos se alista como recruta. No entanto, não dará baixa como havia previsto e
continuará no exército. Como cabo e depois
como sargento irá acompanhar o
General Torrijos numa trajetória que busca, mais do que tudo, a construção do
Panamá. Sua opção, sem dúvida, longe de ser comum, sem sempre será entendida
pelos seus pares. Ao fazer uma crítica a um dos assessores do governo panamenho
é chamado por ele de carregador de malas do General. Ao
dirigir o trânsito para dar passagem ao carro do dirigente panamenho, é visto
por um professor universitário, casualmente no local, que ficou indignado ao
constatar, com os próprios olhos, a função exercida pelo colega. Aceitar “ tal função”e outras que lhe são atribuídas
fazem de José de Jesús Martinez um homem curioso nesta América preconceituosa,
duramente estratificada em classes onde é tão
freqüente ser o trabalho
considerado vergonhoso.
O
autor de Mi General Torrijos é,
verdadeiramente, um fac-totum do General. Ele atua onde a sua atuação é
necessária sem se preocupar pelo status que
possa ter o trabalho que realiza ou do
status que o trabalho possa lhe dar.
Preocupa-se pelos frutos que cedo ou tarde possa desse trabalho advir e
nisso está em uníssono com aquele a quem serve. Para ambos, existem,
prioritariamente, metas muito claras a serem atingidas para fazer do Panamá um
país.
Mi General Torrijos trata de muitas coisas além do assunto primeiro, a
figura do General. Construída a partir de gestos, frases, atitudes
particularmente representativas do que se imagina ser ou do que foi estipulado
ser a imagem do latino-americano, sua figura
é a de um homem que tem olhos para o ser humano, que por ele é capaz de
se comover e por quem nutre um profundo respeito. Em qualquer circunstância.
Mesmo naquelas em que tal respeito poderia parecer menos importante. Um exemplo
disso é ter pedido, certa vez, a José de Jesús Martinez que não o fizesse passar vergonha como o
fizera na visita a uma Universidade do
Havaí, dirigida por Mórmons. Alguém dissera que o dirigente religioso da seita
falava com Deus em inglês, asserção que provocou o riso de José de Jesús
Martinez, desagradando Omar Torrijos, para quem mesmo esse tipo de
convicção merecia respeito.
Entre
um fato e outro, o autor de Mi General
Torrijos vai expondo o pensamento do General e suas convicções quanto ao
Tratado do Canal. Que lhe provoca,
como todas as questões que envolvem não
só o seu país como todos da América Latina, um sentimento definitivo: o
ódio contra o imperialismo e contra os que a ele se submetem passivamente,
prazeirosamente. Aqueles, no dizer de José de Jesús Martinez cujos olhos
brilham ao voltarem dos Estados Unidos. Os cocacolizados, como os chamava o
General. Que, inclusive, se expressam num idioma híbrido que no livro está
registrado nesse exemplar diálogo: “darling, donde están los children? – Están en
el swimmming pool”.
Um diálogo que, igual ou semelhante,
pode ser ouvido em muitos espaços da América Latina onde, certamente, menos
freqüente é ouvir-se vozes que estejam
em acorde com realidades nem sempre
ideais mas que deveriam ser percebidas e dar origem à mudanças. Até porque,
quando essas vozes se levantam, muitos são os interesses em fazê-las calar. E
os métodos para tal são sobejamente conhecidos: bolsas de estudo, privilégios
financeiros, auxílios tecnológicos, modelos culturais, apoio
militar, eliminação física. Raros são os que, no Continente, mensuram
suas implicações. E a esses há que neutralizar.
Omar Torrijos teve morte violenta.
Alguns anos antes ouvira de um cacique
indígena uma parábola: os homens devem partir, não aos empurrões, mas como
esses velhos troncos que o mar cobre e levanta e que a maré leva embora lentamente. Assim, diz José de Jesús
Martinez é que o General gostaria de ter partido. Não
desfeito e carbonizado como o deixou o inimigo.