sábado, 23 de janeiro de 1988

Vozes femininas

            Escrito por uma mulher latino-americana há mais de vinte anos, Ofício de Tinieblas
(Ofício de trevas)  publicado pela Joaquín Mortiz  do México, é um livro onde se entrelaçam  o romance e a crônica para falar desses dois mundos que se opõem e que, para Rosário Castellanos, é o mundo do branco e  do índio, do domínio e da passividade. Em Oficio de Tinieblas, mundos que se fecham numa sociedade urbana, a da Cidade Real, corrompida por valores tradicionalmente falsos e a de Cholula, povoado indígena que, aos poucos, vai sendo destruído pela substituição de verdades impostas. São espaços em que se estabelecem as relações de trabalho, de propriedade, sociais, afetivas ou idiomáticas que são, mais do que nada, marcados pela hierarquia ditada pelo mais forte o que justifica a exploração, a expropriação e até a posse do corpo e o direito de vida e de morte. Uma hierarquia na qual, o personagem branco ou índio, dominador ou dominado será prisioneiro de sua condição social e de suas relações familiares, condenado a uma solidão que aceita por não ser capaz de refutar as leis que lhe são outorgadas.

            Aproximar-se, então, do personagem feminino de Oficio de tinieblas  é inevitavelmente, aproximar-se de um mundo dividido entre brancos e índios, entre os que trabalham e os que não trabalham, entre os que possuem  ( o poder, a riqueza, um nome de família ou, simplesmente, uma posição social definida) e os que nada possuem.

            Das personagens femininas com estatuto, cinco são brancas e cinco são índias. Das brancas, ocupando-se  do trabalho doméstico, trabalham três. Quanto às índias, ou no seu povoado ou na cidade, todas trabalham pela sobrevivência. Na estrutura familiar, ou mãe, esposa, amante, filha, irmã elas repudiam o papel que lhes cabe tradicionalmente e se  demonstram amor, ele será doentio, o amor que sacrifica a quem ele se dirige . Protegidas por um bom nome de família ou por uma  situação econômica privilegiada ou relegadas à pobreza, são mulheres que se refugiam na solidão. Ou  falam consigo mesmo ou diante do interlocutor mascaram o pensamento, tornam-se reticentes ou se calam.

            Sempre, uma incapacidade de expressão que, mais do que traço determinante do personagem significa a sua inserção num universo de silêncio  no qual poucas vezes a voz que se levanta é uma voz feminina. Mesmo  que seja de mulher branca, mesmo que seja de mulher pertencente à classe dominante.

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