sábado, 9 de janeiro de 1988

Dona Bárbara em Curitiba

            Se considerarmos que as edições críticas, as biografias insuspeitas, a crítica descolonizada, a História Literária, pelo menos, na grande maioria dos países latino-americanos, ainda estão para ser feita, torna-se compreensível o desconhecimento que impera no Continente a respeito da produção literária  que ocorre nos seus diferentes países fora daqueles títulos  autores “lançados” nos grandes centros irradiadores ( ou assim considerados) de cultura.

            Assim, é por vezes, surpreendente, o aparecimento no Brasil de certas obras latino-americanas sem a chancela de  encabeçar lista dos mais vendidos nas capitais estrangeiras como é o caso da publicação de Doña Bárbara do venezuelana Rômulo Gallegos, pela extinta Editora Guairá de Curitiba há alguns anos atrás.

            Em 1929, Doña Bárbara foi editado  em Barcelona. O romance, escrito durante a ditadura de Juan Vicente Gómez, é título importante, como o testemunham suas numerosas edições e traduções, entre as demais obras de Rômulo Gallegos:  Canaima, La vorágine, Pobre negro, La trepadoara, Cantaclaro.

            Dois anos depois, apareceu em inglês o   quê, juntamente com a “impressão de grandeza humana” que a leitura do livro lhe deixou, decidiu Jorge Amado a traduzi-la para a Editora Guairá  que o publicou numa edição sem data.

            Em 1974, Doña bárbara  teve uma nova edição, desta vez pela Editora Record do Rio de Janeiro e, ainda, na tradução de Jorge Amado. Nestas duas edições é digna de nota a intenção da Editora Guairá de publicar uma coleção de ficcionistas latino-americanos muito antes do sucesso de algumas obras  latino-americanas que atingiram aquele status internacional conhecido e a publicação de um clássico  latino-americano agora, mais recentemente, pela Editora Record.

            Para a edição da Editora Guairá, foi decisiva a indicação do  livro por Jorge Amado. Na nota introdutória a sua tradução diz que, em 1937, já ouvira falar desse romance por seus amigos que afirmavam ser Rômulo Gallegos um romancista de grande força criadora, poderoso autor.

            Hoje, porém, quando o posicionamento dos escritores se mostra claramente adverso ao statu quo  da situação político social de seus países e à importação de esquemas literários que pouco tem a ver com a realidade latino-americana, tanto Rômulo Gallegos cuja carreira política vai culminar na presidência do país, como sua obra,  elaborada, ainda, sob moldes europeus, são motivo de controvérsia.

            No entanto, Rómulo  Gallegos  refletiu  sobre determinados aspectos da vida de seu país, a Venezuela,  que são aplicáveis a todo o Continente latino-americano: o ensino que sobrecarrega a inteligência e afoga a livre iniciativa da criança, o imperialismo ianque, espreitando a oportunidade para apoderar-se de nosso território em nome de uma proteção que não precisamos”, a figura dos ditadores, a falta de liberdade, a imensa pobreza de seu povo, seu estoicismo inútil.

            Ainda assim,  a de Rômulo Gallegos pode se constituir uma visão elitista, como o entendem alguns, visão típica de uma sociedade dividida em castas. Mas, o haver se detido no “homem deformado sem culpa” que habita as terras do Continente, já é uma razão para ser lido pois essa leitura pode levar à formulações e à reformulações que são, mais do que nunca, imprescindíveis para todo e qualquer latino-americano.

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