sábado, 6 de fevereiro de 1988

Mas continuo sendo o rei

           Pero sigo siendo el rey é um romance que, junto com as narrativas, fábulas, contos, testemunho, forma o conjunto da obra de David Sánchez Juliao, um dos pioneiros na América Latina dos textos escritos especialmente para serem gravados em discos e cassetes.

            Colombiano, nascido em 1945, sociólogo, jornalista, professor, roteirista de cinema e televisão, o interesse pela música popular o levou a realizar pesquisas no México onde, entre Guadalajara e Cuernavaca e a capital de seu país, escreveu um romance sui generis.

            Com o sub-título de “Sinfonia para leitor e mariaches, opus 1”, Pero sigo siendo el rey  se apresenta sob o signo da música. O prólogo é uma partitura de José Alfredo Jimenez e de um de seus versos se origina o título do romance que é dividido não em capítulos mas em Movimentos que indicam a cadência e o caráter de uma peça musical: “Allegro contabili”, “Allegretto scherzando”, “Tempo di Minuetto” e “Allegro vivace”.

            Alegre, gracioso, melancólico ou mais lento ou lúdico ou, ainda, lento e por fim alegre: cadências que anunciam uma narrativa construída  em quadros cujo fio condutor são as mortes que, repetidamente, advém, já anunciadas por antigas profecias e que a presença de pombas vermelhas no povoado de Tezontle concretiza.

            Não sucessivamente, mas mesclando-se nos quatro Movimentos, se aproximam,  se afastam, se entrelaçam destinos marcados por grandes paixões amorosas que são interlúdios para a morte. Morte que obedecem sempre a um sentido de honra no qual se incrusta somente a verdade masculina. Uma verdade que é dona da vida e dos sentimentos da mulher.

            A autoridade paterna ajudada pela autoridade religiosa ( Deus fez a mulher assim, inferior, para que o homem fosse o rei), decide a vida sentimental de Flor de Azálea e de Chabela. O sentido de posse masculino proíbe a mulher de sair à rua, ir à festas, expressar o seu pensamento. Não podia permitir que Chabela se desfizesse da camisa de força que sempre tinham usado as mulheres de Tezontle. Nessa mulher mando eu. As tranças de Chabela são rédeas para meu cavalo. Um sentido que lhe permite perder a mulher no jogo, usá-la até que fique uma  flor sem atrativos pois para isso e só para isso existe; matá-la para que não desonre o amigo  ou  apenas por suspeita de infidelidade.

Ninharias  que o código social determina. Uma lei de honra inflexível ( a morte deve ser vingada por outra morte), os usos e costumes consagrados (há homens que à alma e ao bolso convém mais do que os outros), o servir-se da autoridade para obter amores ( Anselma entendeu que com alguém que era ao mesmo tempo homem e autoridade de nada adiantava a linguagem da razão).

            Código que irá determinar o silêncio dos amantes que somente nos monólogos solitários se expressam plenamente pois os diálogos, quando existem ,são cheios de medos, de reticências. Não expresso, o amor se esgueira, se esconde e quando, luminoso, quer desabrochar, a morte o impede de florescer.

            E, em meio ao insólito das pombas vermelhas, do espelho que não reflete a imagem  ou a reflete diante de outros rostos, do morto que volta para completar a vingança, das filhas mortas que falam com as mães (reminiscências, talvez de Gabriel García Márquez e de Rulfo), usando, por vezes,palavras do cancioneiro popular mexicano, os personagens masculinos, sofrem terrivelmente, ( como somente soem sofrer os personagens femininos), mas continuam sendo, sempre,  o rei.

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