domingo, 3 de setembro de 2006

As benfeitoras


             Uma vizinha, falando da janela com a D.Miroca, queria saber que dia era aquele. Assim tem início o capítulo “Um pique-nique é muito bom”, de O Louco do Cati. D. Miroca  há muito tempo não olhava a folinha e perguntou para a filha  -Essas crianças sabem mais que a gente. A   menina disse o dia e o mês,  porém, na verdade,  não era exatamente   o quê a vizinha pretendia, tinha uma curiosidade de olhos que quase lacrimejavam e sim, informações sobre o hóspede na casa. Havia chegado em Lages, vindo de Florianópolis  e em direção ao Rio Grande, no caminhão  de seu Geraldo  que o  levara para casa  onde foi recebido como hóspede por sua mulher. Aí ficara, participando da vida cotidiana  da família. D. Miroca  disse  para a vizinha o que julgou ser melhor: que ele era do Rio Grande e que estava de passagem por uns poucos dias. Explicação que lhe orientou  o pedido feito ao marido  de que providenciasse a  partida  do hóspede porque já andava enjoada com aquilo. Isto é, das curiosidades, das desconfianças.  Não pelo Cati, coitado... Ele era bom para as crianças e tirava água do poço, ela argumenta quando a mulher de seu Machadinho insinua que o dinheiro numa casa de hóspedes tinha que estar bem guardado e, principalmente,  por causa desse Cati que tinha um ar tão estranho e que ninguém sabia donde vinha.... E porque falavam, D. Miroca quer que ele vá embora, ainda que sinta pena. Compaixão que expressa na palavra Pobre! para designá-lo. A mesma proferida por D. Rita, a mulher do dono da hospedaria em cujo pátio  ele, e o grupo com o qual viajava, havia pernoitado, logo no início da viagem .Cedo, diante da casa,  mal  divisada na claridade da manhã, e de seu Ricardo,   cabeleira lançada para trás, bigodudo..., ele se assustara e fugira, refugiando-se no mato próximo. Ao saber o que se passara, D. Rita se interessa pela sua história – de onde era, se estava louco há muito tempo, quem  do grupo era seu parente- e, ao saber que nenhum deles o conhecia, que o tinham  encontrado no fim da linha do bonde e que  aceitara ir de passeio com eles até a praia, opina que andar com pessoas desconhecidas se tornava perigoso.  Porém, quando o trazem de volta do mato, cansado e sem forças, empresta um acolchoado velho e um travesseiro para acomodá-lo na carroceria do pequeno caminhão em que viajavam.

Também  D. Amélia, a dona da pensão do Rio de Janeiro, e sua filha Nanci  irão demonstrar  espontânea disposição  em ajudá-lo.

            Ao sair da prisão, sem recursos, ele morou, com  Norberto, seu companheiro de viagem, escondido na casa de pensão. Dormiam no quarto de um pensionista de quem ficaram amigos e para não serem descobertos usavam de estratagemas: subiam os degraus da escada, ao mesmo tempo,  com passos simultâneos;  pensando que a dona já ficara desconfiada, dormiam durante o dia pois as visitas não eram proibidas.  Ao precisar da ajuda do pensionista para resolver um  delicado assunto de família -  a ida à delegacia no intuito de responsabilizar o hóspede que seduzira sua filha - D. Amélia aceitou-lhes a presença. Até sugeriu – achando  uma crueldade que ele fosse abandonado em São Paulo – que ficasse mais tempo no Rio de Janeiro, pois sua passagem poderia ser vendida ali  na sua casa mesmo, uma vez que todos os dias havia pessoas que viajavam para São Paulo.  Quando Norberto lhe  consegue uma passagem marítima, D. Amélia arranja para ele uma pequena mala e todos da pensão  procuram, sem êxito, persuadi-lo porque  não queria viajar de navio. Então,  Nanci, com muito jeito, o convence a partir. Raro  na trajetória do Cati, desde o início de sua viagem em Porto Alegre até a sua volta para Quaraí, esse momento em que ele decide por si mesmo, embora submisso à entonação carinhosa da voz feminina que o anima ( -Meu benzinho vai embarcar, sim, Ele vai, sim.) e o torna confiante, para expressar, ainda que num sussurro, o grande medo que sente de que o levem para o Cati, (lugar que lhe ficou gravado, desde criança,  como lugar de prisões e de mortes).

Mais do que piedade, como ocorre com D. Rita, D. Miroca, D. Amélia,   há em Nanci  um enternecimento, no trato com o Cati que, diante  de seu olhar de uma pureza de criança, só faz aumentar e lhe completa o perfil de mulher amorosa.  Pois além da função que  lhe é atribuída, como às outras,  no relato -  provocar mudanças no percurso do Cati e na sua história –  possui, também, como vítima dos preconceituosos usos e costumes ( e leis) de sua época, uma função denunciatória que as qualidades de um narrador da estirpe de Dyonélio Machado,  fazem ser de admirável sutileza e nem por isso menos contundente.

 

 

 

 

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