Longas
são as perguntas de Carlos Droguett, definidas como temas em forma de perguntas que ele, em número de doze, mas às
quais acrescenta muitas outras – podem
ser mais, podem ser menos – como
previne ao enviá-las para o amigo. Na primeira, quer saber se a juventude de
Salvador Allende já anunciava essa passagem de médico assistencial para a cabeceira de um doente mais doente, mais
numeroso, mais desastroso, um povo inteiro, um país longo e esquelético, uma
sociedade marcada e tarada, um organismo social desintegrando-se,
apodrecendo-se. Em outra, se ele deixava prever, ao ser ministro da saúde
do governo de Pedro Aguirre Cerda, no seu trabalho para aliviar a miséria e
erradicar as doenças oriundas dos males da pobreza, o Presidente que proclamava
e preconizava as mudanças na sociedade, efetuadas dentro da lei. Respostas que
o convívio de estreita amizade e durante trinta anos de Rafael Agustín Gumucio
com Salvador Allende, torna particulares pois confessa lhe resultar difícil
emitir juízos que se atenham a um ou a outro momento de sua vida familiar ou
política. Assim, jovem ou maduro, em qualquer escalão de governo onde
estivesse, Salvador Allende se constituiu, para ele, o homem insubornável,
respeitador de seus compromissos.
Na
verdade, Salvador Allende não pode ser compreendido longe do povo que o elegeu do qual se despede no dia 11 de setembro e da classe que o destruiu . Carlos Droguett a
nomeia aristocracia e com a ressalva
de que, além das pouquíssimas exceções, nada mais é do que uma classe covarde, ladra, extorsionária, aventureira,
que não mata, que não se atreve a matar, que contrata assassinos. Por sua
vez, Rafael Agustín Gumucio, nessa aristocracia
chilena, só vê o amor desenfreado
pelo dinheiro, uma arrogante
incultura e, sobretudo, o poder que, representada pela direita, exerce no
país.
Então,
Carlos Droguett e Rafael Agustín Gumucio falam de algo sobejamente conhecido,
parte desse lugar comum, inscrito na razão do mais forte, a permitir que as
verdades oscilem conforme o imprescindível interesse daqueles que as enunciam.
Isto é, a imoralidade congênita da direita, na expressão de Rafael Agustín
Gumucio. Razão do mais forte que reinou sempre e , reina, soberana, nos países
do Continente ainda que se abriguem (e ou querem fazer crer) sob a égide da
democracia. Daí, impossível não serem mencionadas a dívida exterior, a venda do
patrimônio nacional, a fuga do capital para as contas bancárias suíças, a
manipulação da doutrina de segurança nacional inspirada pelos norte-americanos
para lhes facilitar o contínuo saque efetuado pelo seu imperialismo.
De um e de outro, são palavras ainda
emocionadas, ainda indignadas pelo assassinato de Salvador Allende. E a
vivência sofrida dessa perda e do que então, a partir dela se desencadeou no
Chile, se torna uma expressão que, interrogando e respondendo traz em si um
valor documental e polêmico que é imprescindível para uma aproximação hegemônica
da verdade – no Continente, é quase uma utopia – sobre o que ocorreu em
Santiago do Chile no dia 11 de setembro de 1973.

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