Carlos Droguett se ampara dessa frase para o título
de seu romance, um romance histórico cuja fonte, porém, ele
encontra nos textos dos cronistas e não dos historiadores porque, assim ele
diz, era conveniente para os destinos de seus personagens.
Mas, das crônicas ele não se afasta,
já o constatou a historiadora francesa Jacqueline Covo ao estudar seus três
romances históricos, Supay el Cristiano,
100 gotas de sangre y doscientas de sudor e El hombre que trasladaba las ciudades
que ela denominou a trilogia da Conquista.
E, para Carlos Droguett, é nessas
300 gotas de que fala Pedro de Valdivia
a seu Imperador que está
condensada a história de todo o mundo novo.
Uma conquista, se sabe, feita de heroísmos e traições, de pequenos gestos de um cotidiano que pode ser tão heroico quanto a mais cruel e trágica luta: o que enfrenta a fome, o frio, o desamparo, o medo.
Belíssimo, o texto que abre 100 gotas de sangre y doscientas de sudor
quando o capitão Pedro de Valdivia e Inés Suárez, com infinitos cuidados, quase
amorosamente, semeiam os grãos de trigo salvos da destruição da cidade. Eles
estão muito próximos um do outro, sorriem, por vezes, e se inclinam para a
terra.
De súbito, a lembrança da morte dos
sete caciques dada pelas mãos de Inés Suárez na ausência do capitão que a torna, no seu entender,
responsável pelo destino de seus homens cuja vida salvou. E inquire ou acusa ou
determina: Vós nos deveis o alimento. Não
foram essas mãos as que mataram o
índio para que vivesse o espanhol?
Com suas mãos
deve viver Inés Suárez e com o peso da ação que praticou. Estas mãos, minhas mãos?
Ela exclama para o capitão contando não
apenas o que ele já sabia, mas seus estados de alma, nesse domingo 11 de
setembro de 1541: Estava tranquila e decidida, naquele dia, tranquila, raivosa, resoluta, ela diz. E os espanhóis sorriam
de seu gesto de tomar a espada. Então, foi o medo e não suas mãos, o executor
da morte dos caciques. O fogo nos
enlouquecia a todos, explica. O
fogo e os gritos dos índios que
acometiam a cidade e o ruído das armas espanholas e os relincho dos cavalos e a
presença, ali perto dos prisioneiros, imóveis, sérios nos
corpos, alegres e cruéis nos olhos, calados e fortes, obervando no céu as
flechas que voavam.
Certamente, porém, não são essas mãos que tremem quando nelas
Inés Suárez pousa os olhos e que embora brancas e sem máculas lhe parecem
enredadas em sangue, que lhe tiram a coragem. Sim o desconhecido desse futuro
que entrevê sombrio. Não é o remorso que sente por ter degolado os índios.
Sente medo e desejo de saber os dias que lhe restam pra viver. O arrependimento
que nela aflora não se enovela na morte que as suas mãos deram aos índios mas
em terem essas mortes, ao por em fuga os atacantes da cidade, salvo a sua vida
e a dos espanhóis. E lamenta: Já seríamos
cadáveres. Os mortos não passam fome e neles não penetra o frio.
Mas, já os espanhóis reconstroem as casas de
Santiago e já procuram nos campos comida índia.

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