domingo, 19 de julho de 1992

As mãos de Inés Suárez 2


            No dia 15 de outubro de 1550, Pedro de Valdívia escrevia ao Imperador Carlos V, informando sobre a Conquista. Em certo momento, diz-lhe que, para  os que estão na recém fundada cidade de Concepción, cada peso lhes custa cien gotas de sangre y doscientas de sudor.

            Carlos Droguett se ampara dessa frase para o título de seu romance, um romance histórico cuja fonte, porém, ele encontra nos textos dos cronistas e não dos historiadores porque, assim ele diz, era conveniente para os destinos de seus personagens.

            Mas, das crônicas ele não se afasta, já o constatou a historiadora francesa Jacqueline Covo ao estudar seus três romances históricos, Supay el Cristiano, 100 gotas de sangre y doscientas de sudor e El hombre que trasladaba las ciudades que ela denominou a trilogia da Conquista.

            E, para Carlos Droguett, é nessas 300 gotas de que fala Pedro de Valdivia  a seu Imperador que está condensada a história de todo o mundo novo.

            Uma conquista, se sabe, feita de heroísmos e traições, de pequenos gestos de um cotidiano que pode ser tão heroico quanto a mais cruel e trágica luta: o que enfrenta a fome, o frio, o desamparo, o medo.

            Belíssimo, o texto que abre 100 gotas de sangre y doscientas de sudor quando o capitão Pedro de Valdivia e Inés Suárez, com infinitos cuidados, quase amorosamente, semeiam os grãos de trigo salvos da destruição da cidade. Eles estão muito próximos um do outro, sorriem, por vezes, e se inclinam para a terra.

            De súbito, a lembrança da morte dos sete caciques dada pelas mãos de Inés Suárez  na ausência do capitão que a torna, no seu entender, responsável pelo destino de seus homens cuja vida salvou. E inquire ou acusa ou determina: Vós nos deveis o alimento. Não foram essas mãos as que mataram o índio para que vivesse o espanhol?

            Com suas  mãos deve viver Inés Suárez e com o peso da ação que praticou. Estas mãos, minhas mãos? Ela exclama para o capitão contando  não apenas o que ele já sabia, mas seus estados de alma, nesse domingo 11 de setembro de 1541:  Estava tranquila e decidida, naquele dia, tranquila, raivosa, resoluta, ela diz. E os espanhóis sorriam de seu gesto de tomar a espada. Então, foi o medo e não suas mãos, o executor da morte dos caciques. O fogo nos enlouquecia a todos, explica. O fogo e os  gritos dos índios que acometiam a cidade e o ruído das armas espanholas e os relincho dos  cavalos e a  presença, ali perto     dos prisioneiros, imóveis, sérios nos corpos, alegres e cruéis nos olhos, calados e fortes, obervando no céu as flechas que voavam.

            Certamente, porém,  não são essas mãos que tremem quando nelas Inés Suárez pousa os olhos e que embora brancas e sem máculas lhe parecem enredadas em sangue, que lhe tiram a coragem. Sim o desconhecido desse futuro que entrevê sombrio. Não é o remorso que sente por ter degolado os índios. Sente medo e desejo de saber os dias que lhe restam pra viver. O arrependimento que nela aflora não se enovela na morte que as suas mãos deram aos índios mas em terem essas mortes, ao por em fuga os atacantes da cidade, salvo a sua vida e a dos espanhóis. E lamenta: Já seríamos cadáveres. Os mortos não passam fome e neles não penetra o frio.

            Mas, já os espanhóis reconstroem as casas de Santiago e já procuram nos campos comida índia.

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