domingo, 5 de julho de 1992

O silêncio

           Por ter rido muito, Alonso de Chinchila foi preso. Era o ano de 1541 e Santiago apenas existia. Seu fundador, Pedro de Valdívia voltava das minas de Marga-Marga onde os índios que trabalhavam, tirando ouro para os espanhóis, se revoltaram assim como se revoltaram os espanhóis que viam a construção de um barco nas costas do Chile. O barco foi queimado e o ouro ficou cheio de manchas do sangue que sobre ele correu, diz o narrador de Supay el Cristiano, romance de Carlos Droguett, publicado em 1967.

        Pedro de Valdívia não esconde o que sente, a tristeza que o domina. Alonzo de Chinchila tampouco esconde sua grande alegria pela derrota do outro que trama para aniquilar. E´o único  a rir porque está feliz em saber que o barco, quase pronto para ser empurrado pelo vento, fora destruído. Feliz e rindo corre pela praça de Santiago, pelas poucas ruas e, feliz   e rindo, está na casa do sogro quando chegam para prendê-lo. Sem resistir, deixa-se algemar.
          Na prisão, ficou triste. Antes da chegada da noite, já sabe que será enforcado. E sua noite transcorre cheia de espantos e medos, um desvanecer e despertar da contínuos horrores.
          Encarregado de interrogá-lo e obter confissões, chega, pela manhã, o tenente Monroy a mando de Pedro de Valdívia. E´no capitulo “El silencio o quarto dos seis que compõem o romance. Presentes, seis personagens: o aguazil, o prisioneiro, os dois soldados que lhe fazem guarda, o tenente que aí está para interrogá-lo e uma índia. No pequeno espaço da casa do aguazil, eles se mantém separados.  Alonzo de Chinchila e o tenente Monroy na cela. Ao redor dela, os outros três e a presença efêmera da índia que atravessa o pátio, carregando o cântaro em busca de água. No interior da cela, um diálogo deve acontecer; fora, os três homens querem escutá-lo. Quando a porta se fecha atrás do tenente ela separa dois universos:um que parece mergulhar no silêncio; outro que silencia para escutar.
            O narrador que emerge do texto na expressão de uma forma verbal em primeira pessoa plural, embora não seja a voz nem do aguazil, nem da índia, nem dos soldados, se encontra entre os que esperam escutar o que se passa entre as paredes da  cela.  Minuciosamente, ele descreve cada gesto e cada olhar do aguazil e dos soldados que permanecem imóveis ou se imobilizam no desejo de escutar o que é dito do outro lado da parede. Os três olham para a porta, falam em sussurros, caminham com sigilo. Quando a índia passa entre eles, cantando, sufocam-lhe o canto para que o silêncio permaneça. No dia silencioso apenas ladra um cão, ao longe, ou galopa um cavalo ou soa um disparo.
           Ouvidos atentos ao que se passa na cela, apenas escutam um leve roçar de pés na terra e, logo, o tombar de uma banqueta. Depois, outra vez o silêncio. Preservado, desejado, intacto, definitivo. Nenhum ruído do mundo o interrompe, nem um grito, nem um queixume, nem o tenente ao deixar a cela do prisioneiro. Nenhum barulho faz ao fechar a porta, nem ao caminhar. E assim, silenciosamente, foi embora.
            Os três homens, o narrador e leitor  ficam sem saber o que na cela se passou.
            No capítulo seguinte,  ao cair da tarde, o soldado Martin Candia que também tramava contra Pedro de Valdivia, com alegria por se saber livre, entra a passo na cidade. Sabe que um pouco mais que o tenente tivesse apertado já Alonzo de Chinchila teria soltado, soluçado, todos os nomes, sem faltar nenhum. Mas, seu amigo e cúmplice não havia falado. O silêncio prevalecera naquela manhã.
            Ao dar a volta ao cerro que os índios chamam de Huelén divisou uma forma e pendurado nela o corpo de Alonzo de Chinchila. O entardecia, a parte superior estava envolta em sombras, mas os raios do sol caíam ainda sobre os borzeguins, que no ar tinham um leve balanço.

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