A
primeira parte de Usina (Rio de
Janeiro, José Olympio) completa a história de Ricardo, contada em Moleque Ricardo. É só na segunda parte
que o assunto do romance irá, efetivamente, aparecer: a transformação do bangüé
do Dr. Juca em usina de açúcar.
O bangüé Santa Rosa, de
certa forma uma herança de família, que ele – sua ambição era mandar, ser rico,
mostrar-se – anula para erigir a usina Bom Jesus que imagina lhe dará riqueza e
poder.
No
passado, fica a figura de seu pai, José Paulino, senhor de engenho nos moldes
tradicionais: enérgico, possuidor da generosidade própria dos ricos que o
deixava ter uma cozinha aberta para todos, conviver com a antiga senzala perto
da casa-grande, permitir que os trabalhadores morassem nas suas terras,
fornecer leite de suas vacas para as famílias que dele necessitassem, dar
audiência aos trabalhadores dos seus campos, buscando soluções para os
problemas que traziam, não se importar que os moleques chupassem da sua cana.
Para
o filho, tudo isso significava que ele era um homem doutros tempos. Porque em
nome da produção da usina, os usos deveriam mudar. Assim, mandara por grade nas
portas da cozinha, botar abaixo a antiga senzala, afastando de sua vista os
velhos empregados, desalojar os trabalhadores de suas terras – a usina não podia perder um palmo de terra
de várzea - proibir que o leite
continuasse a ser distribuído, mandar falar com o gerente do campo para a
resolução dos problemas, considerar que chupar cana da usina era um crime.
Sentado numa larga cadeira de espreguiçar, o
Dr. Juca via do alpendre da casa-grande a atividade de sua fábrica. Pensava
no esforço que fizera para cobrir as terras – as terras que nas mãos dos antigos se esperdiçavam -
do verde da cana. E fazia planos: comprar um engenho que lhe permitisse passar
os trilhos do trem; comprar um outro que lhe desse a água para alimentar a
usina. Porque faria o riacho, que nele existia, correr por um leito construído
por ele, com uns gastos a mais, estaria
ali dentro da Bom Jesus para serventia
da usina. Era uma obra de engenharia o quê pretendia e o seu feito, logo de
iniciado, saiu nos jornais. O Vertente,
que se perdia à toa, cantando manso pelas matas escuras, dando de beber com sua
água doce ao povo do Pilar, vinha
agora, à força de instrumento para a serventia da Bom Jesus. A terra dura
era cavada e o cal e o tijolo iam fazendo o novo leito para o Vertente e nunca
mais faltaria água doce na usina.
Mas,
o povo inteirinho se alarmou com a notícia. O Vertente nunca roncara, jamais
crescera fora de seu leito para fazer medo. Era
bom para o povo. Pelas suas margens plantavam capim-de-planta, para os cavalos,
faziam banheiros e o bamburral chorava ao vento. Agora, a usina o cercara
de arame, o vigiava com homens armados de rifle. O riacho “generoso, manso, fora roubado.
Não daria mais água para os moradores, para o povo da vila. Ninguém queria
acreditar que não possuiriam mais um riacho que era patrimônio de todos, que
iriam ter que fazer cacimbas para beber água. O Dr. Juca queria o riacho para suas máquinas. E o riacho deixara o
seu leito de areia, macio, para correr num outro, duro, feito de tijolo e
cimento. Passara a ter dono, era mandado
como boi de carro.
Mas
a usina que espantara, expulsara, desprezara os trabalhadores, não dera conta
do trabalho. O maquinário, vendido pelos norte-americanos, se avariava ao
primeiro uso. Eram dias parados, dias de prejuízo. Eram prejuízos, levando à
ruína. E todo o perverso poder da Bom Jesus foi ruindo; a autoridade já não era
servida por capangas.
Um
dia, a água do riacho parou de correr para a usina. O aqueduto fora quebrado e
as águas voltaram a seu velho e ressecado leito, saltitando como menino de colégio que deixasse o castigo para o recreio. Mas, os
pedreiros da usina as fecharam, outra vez, entre as paredes de tijolos. Logo, o
povo do engenho rebentou,outra vez, as paredes e o riacho recomeçou a correr
como antes. E assim ficou porque já ninguém se importava com a obra de engenharia do Dr. Juca pois
ele perdera o dinheiro e o poder. Já não mandava mais nas águas do riacho que “lá em cima da mata, corria livre, cantando manso e bom, livre da bica
arrombada.
Num
ingênuo castigar dos maus, José Lins do Rego mostra quem desejara o riacho prisioneiro submisso e útil, o Dr.
Juca, partindo de suas terras, pobre e
doente, deitado numa carreta de bois. E Usina
termina nessa viagem quando tudo ia escurecendo com o fim do dia e com a chuva,
caindo fininha.


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