domingo, 13 de setembro de 1998

Os amores de Tupambay


                                                                                              Para Cicinha
 
          Francisco Espínola morreu, diz Eduardo Galeano, quando voaram em pedaços os restos do Uruguai democrático. Era agosto de 1973 . Quarenta anos antes tinha publicado seu romance Sombras sobre la tierra, hoje, um clássico da Literatura Uruguaia: sombria pintura de pedaços de vida de um bordel interiorano e de momentos vividos em humildes tascas nas aforas de uma pequena cidade.
           Sombras sobre la tierra não possui trama romanesca. O relato gira em torno de Juan Carlos, jovem órfão e rico. É ele que determina a profundidade do relato quando tenta refletir sobre o mundo que o rodeia. E este é um mundo de inocências, embora habitado por prostitutas e bêbados, onde, ainda que em meio a pobreza, prevaleça a cordialidade: seja entre as donas de bordel e suas pupilas, entre as próprias pupilas e seus clientes, ou o médico ou o padre que aparecem para o controle sanitário, ou para uma extrema-unção; seja entre os demais personagens, embora possam ser apenas uns pobres coitados. Ou, onde prevalece um afeto. Aquele que une Juan Carlos a sua empregada, a seus amigos, às pupilas do bordel, a seus protegidos. Que une as prostitutas à cadelinha Milonguita ou Manuel Benítez a seu cachorro Tupambay.
          


            Manuel Benitez é um índio velho com quatro pelos duros, caídos, de bigode. E um olhar dulcíssimo, nos olhos eternamente injetados de sangue. O cachorro é um cusco feio que o dono chama Coco ou Tupambay, conforme o seu humor: quando está irritado, diz Tupambay e quando fica ensimesmado e triste, fala Coco.

           E Coco/Tupambay anda atrás de Milonguita. Mas as damas do bordel protegem, na cachorrinha, uma virtude que não mais possuem e ameaçam o pretendente com vassouradas, pedras e água quente, argumentando que é um cão feio e mendigo. Mas, recusam, igualmente, outros candidatos e mantém Milonguita prisioneira. No meio da calçada, diante da porta, com intenso olhar, Tupambay passa o dia. O dono o chama e ele não atende e só volta para casa no colo de Manuel Benítez, já impaciente, mas compreensivo quando promete: - Coco! Não fique triste Coquito! Algumas temos que ganhar! Se Deus quiser vamos roubar a cachorra!

           E soam as três horas da manhã quando, obedecendo ao encontro marcado, sai Margarita de casa e, no pátio, tira Milonguita da casinha, onde estava fechada, e a entrega para ser levada a Manuel Benítez que já a esperava no seu rancho.
         
          A história desse pequeno e humilde amor, em Sombras sobre la tierra, é contada aos poucos e se entrelaça com aquela dos humanos. Deles, no entanto, os sentimentos se desencontram: Juan Carlos confessa, muitas vezes, seu amor por Nena. Também o seu desejo de tirá-la do bordel. Mas, tampouco pode se impedir de, alguma vez, exclamar: Nena! Nena! Por que você é o que é? E tudo – brigas e reconciliações – continua como antes.

            Sombras sobre la tierra termina sem dizer do destino de cada um. Parece que, entre todos, só Tupambay e Milonguita foram felizes.
 

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