domingo, 3 de setembro de 1995

As águas esquecidas

          Mais de dez livros de poesia e outros tantos em prosa já havia publicado João Manuel Simões quando, em 1982, indignado, escreve o belo poema que irá alimentar a memória de algo que não deverá ser nunca esquecido: a destruição das Sete Quedas.

          Réquiem para Sete Quedas é um longo poema, feito de sete cantos cuja intenção primeira é claramente expressa na dedicatória. Uma dedicatória que não presta homenagem mas, incisiva, atribui responsabilidades aos homens que por ação ou omissão determinaram a extinção das Sete Quedas.

          Cada um dos cantos se constitui um poema em si, independente dos demais. Unidos, eles são por esse primeiro verso de cada um deles. Encerrados entre o topônimo Sete Quedas, que inicia o poema e se repete no primeiro verso do sétimo canto, os verbos presentes nesses versos (fazem e não tornam), os substantivos (sete noivas e motoniveladoras) e o adjetivo (mortas) formam uma verdadeira síntese da realidade que o poeta quer apreender. Tentando fixar a beleza desaparecida e erguendo a voz para acusar o crime cometido. Primeiro, nas breves e esplêndidas definições do que foram as Sete Quedas. Depois, no testemunho dessa agressão de sabê-las imobilizadas, enterradas sob a fria e impura lápide. Para, então, anunciar o responsável por essa destruição irreversível sobre a qual resta apenas um dobrar de sinos e a utopia de que talvez renasçam quando sete milhões de anos houverem passado.

          Uma belíssima expressão poética, ora a desenhar esse mundo de água condenado a morrer pelos mortais, ora a sugerir cores e sons e formas. E as águas das Sete Quedas se antropomorfizam. Do verso de João Manuel Simões emergem um rosto, cabelos, colo, ventre que, no entanto, feitos de cristal, de afluentes de sol, de claros diamantes, distam dos humanos. Mas, é, ainda sob o código dos humanos – sete noivas mortas, desaparecidas – que o poeta as vê no silêncio, na angústia, na solidão.Silenciadas pelos punhais pungentes, / obscenos, / tecnológicos, / dos homens que só sabem / sonhar sonhos inúteis, / metalúrgicos.

          Desoladamente, o poeta registra esse silêncio ignominiosamente decretado e irreversível, esse desaparecer ao qual só resta a súplica de um orai por elas.

          É um grito acusatório no qual se combinam o sofrimento pela perda injusta e a coragem de levantar a voz para clamar contra a arbitrariedade num tempo difícil em que era exigido que reinasse no país o silêncio. João Manuel Simões falou no seu poema pelos que se sentiram injustiçados, derrotados, impotentes. Pelos que, diante das imagens que então, foram sendo mostradas – das águas represadas a subir pouco a pouco, espantando a vida das terras circundantes – só lhe restou chorar.

          E chorar diante do irremediável, imposto pelos senhores parece ser o fado dos homens do Continente.

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