Mais de dez livros de poesia
e outros tantos em prosa já havia publicado João Manuel Simões quando, em 1982,
indignado, escreve o belo poema que irá alimentar a memória de algo que não
deverá ser nunca esquecido: a destruição das Sete Quedas.
Réquiem para Sete Quedas é um longo poema, feito de sete cantos cuja
intenção primeira é claramente expressa na dedicatória. Uma dedicatória que não
presta homenagem mas, incisiva, atribui responsabilidades aos homens que por ação ou
omissão determinaram a extinção das Sete Quedas.
Cada um dos cantos se
constitui um poema em si, independente dos demais. Unidos, eles são por esse
primeiro verso de cada um deles. Encerrados entre o topônimo Sete Quedas, que
inicia o poema e se repete no primeiro verso do sétimo canto, os verbos
presentes nesses versos (fazem e não tornam),
os substantivos (sete noivas e motoniveladoras)
e o adjetivo (mortas) formam uma
verdadeira síntese da realidade que o poeta quer apreender. Tentando fixar a
beleza desaparecida e erguendo a voz para acusar o crime cometido. Primeiro,
nas breves e esplêndidas definições do que foram as Sete Quedas. Depois, no
testemunho dessa agressão de sabê-las imobilizadas, enterradas sob a fria e impura lápide. Para, então,
anunciar o responsável por essa destruição irreversível sobre a qual resta
apenas um dobrar de sinos e a utopia de que talvez renasçam quando sete milhões
de anos houverem passado.
Uma belíssima expressão
poética, ora a desenhar esse mundo de água condenado a morrer pelos mortais,
ora a sugerir cores e sons e formas. E as águas das Sete Quedas se
antropomorfizam. Do verso de João Manuel Simões emergem um rosto, cabelos,
colo, ventre que, no entanto, feitos de cristal, de afluentes de sol, de claros
diamantes, distam dos humanos. Mas, é, ainda sob o código dos humanos – sete
noivas mortas, desaparecidas – que o poeta as vê no silêncio, na angústia, na
solidão.Silenciadas pelos punhais
pungentes, / obscenos, / tecnológicos, / dos homens que só sabem / sonhar sonhos
inúteis, / metalúrgicos.
Desoladamente, o poeta
registra esse silêncio ignominiosamente decretado e irreversível, esse
desaparecer ao qual só resta a súplica de um orai por elas.
É um grito acusatório no
qual se combinam o sofrimento pela perda injusta e a coragem de levantar a voz
para clamar contra a arbitrariedade num tempo difícil em que era exigido que
reinasse no país o silêncio. João Manuel Simões falou no seu poema pelos que se
sentiram injustiçados, derrotados, impotentes. Pelos que, diante das imagens
que então, foram sendo mostradas – das águas represadas a subir pouco a pouco,
espantando a vida das terras circundantes – só lhe restou chorar.
E chorar diante do
irremediável, imposto pelos senhores parece ser o fado dos homens do Continente.
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