domingo, 5 de janeiro de 1997

O desejo

          Mais de trezentos artigos foram escritos sobre ele na Ilha. Quase outro tanto, ele os escreveu. José Antonio Ramos, nascido en La Habana no dia 4 de abril de 1885.
          Com o romance Humberto Fabra, publicado em Paris quando ele tinha vinte e três anos, inicia a sua carreira de romancista, dramaturgo e ensaísta da qual Caniquí será um dos importantes momentos.

          Trata-se de uma bela obra romântica, construída a partir da figura de Mariceli. Muito jovem e rica, a exagerada educação religiosa a faz confundir os sentimentos que nutre pelo primo com uma nefasta inclinação mística.

          Então, entre os dois há silêncios, mal entendidos, desencontros e uma sofrida separação até que os sentimentos venham a se definir.

          Entremeando-se à narrativa, o cenário de uma velha cidade cubana com suas festas religiosas, suas relações sociais profundamente regulamentadas  é tão importante quanto as breves digressões sobre a política vigente em Cuba nos primeiros anos do século XIX: a Metrópole ordenando e exigindo, a Colônia se submetendo.

          Insolência e intransigência por parte dos peninsulares, pugnando por idéias “rançosas”, opondo-se a qualquer desejo de progresso dos habitantes da Colônia enquanto, no Continente, as lutas pela liberdade decidiam os caminhos.

          Nessa oposição entre “godos”, os espanhóis e “mulatos”, os cubanos, havia os que se embriagavam com sonhos da liberdade que os franceses tinham experimentado uns anos antes e os que pensavam não estar o povo preparado para a independência porque lhe faltava educação, sentido econômico e prático da vida, restando-lhe, apenas, curvar-se diante da autoridade da metrópole, “paternal”, “ilustrada” que pretendia domesticá-lo.

          Na verdade, embora em Caniquí, José Antonio Ramos esteja a falar dos ibéricos, “os donos” de turno, está pensando na outra mais recente vassalagem à qual Cuba se submeteu no instante mesmo em que se libertava do jugo espanhol.

          Porque, nas palavras introdutórias ao livro, ele dirá que a vassalagem à usura ianque em Cuba parece se acentuar com graves sintomas de decomposição social e que seu romance só será entendido muitos anos mais tarde.

          Recém corria o ano de 1935 e hoje ninguém ignora a que ponto chegou em Cuba essa decomposição social. Tampouco ninguém ignora o quanto o poderio ianque jamais deixou de querer o usufruto da Ilha que perdeu.

         Assim, quando José Antonio Ramos faz dizer a um de seus personagens que se estiverem dominados pela avidez de Liberdade na Ilha, os Amos Brancos jamais irão viver em paz. Mais do que um desejo, ele formulou um vaticínio.

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