No
que o autor, Luiz Antonio de Assis Brasil chama uma série, Um castelo no pampa, composta de três romance (Perversas famílias, Pedra da
memória, e Os senhores do século)
é contada a sua história desde o dia em que nasce até o momento de sua morte.
Naturalmente, a ela se agregam muitas outras entre as quais a história da
condessa: Charlotte Von SpelHerb, órfã, herdeira de propriedades nos arredores
de Engelharststeten, perto da Hungria que visita, em Paris, a Exposição Universal.
Olímpio
arrebata-se por ela e seu pedido de casamento é aceito com tal rapidez que o
faz presumir tratar-se de uma condessa com as finanças arruinadas e na expectativa
de um bom casamento.
E o
casamento se realiza – o noivo era rico pelos dois – e a traz para o Brasil
onde sua vida acompanhará a de Olímpio, latifundiário e político e ela será uma
presença nos três romances que formam Um
castelo no pampa.
Presença
que se instala a partir de uma banal informação do narrador ou de um personagem
(volta sozinha da Europa; não freqüenta a sua casa na cidade; aperta a
campainha para chamar a empregada; responde a alguém com uma ou duas palavras,
por vezes definitivas; dá alguma ordem ou se presume que a tenha dado). Ou, a
partir de um episódio complexo como o da visita da amante a seu marido no
castelo ou aquele em que é relatada a sua morte.
Mas,
salvo o uso de um ou dois verbos pensou
(que logo teremos o outono), decidiu
(que ficaria no banho até o anoitecer), é um personagem perfeitamente
construído do exterior, somente pelo olhar dos demais personagens ou muito
breves referências do narrador.
Para
Olímpio, quando a conhece em Paris, sua
magreza não é agressiva, antes diáfana.
Mais tarde a verá bela, aristocrática. Para os frequentadores do Clube Comercial de Pelotas, ela é seca, mais alta do que o marido. O
cunhado no teatro a enxerga tesa, muito
branca e magra e para o filho Proteu a sua gravidez não chega a dobrar a nobre verticalidade de um ser acostumado às elegâncias do espírito
e do corpo. E, assim, a encontra o marido ao voltar de uma de suas ausências:
ereta em sua dignidade, emoldurada pela buganvília.
E, assim a vê o neto Páris vertical, tesa e magra e assim, esguia, pálida a vê Antonia, a copeira. As mulheres observam-lhe os trajes no
dia 1º de janeiro de 1900 quando se exibe em cetim pesado e azul e tules e rendas e bordados em ouro e gargantilha de
pérolas e diamantes. A mãe de sua futura empregada a presume rica com seu colar
de pérolas e para o pequeno cunhado é uma
jovem dama perfumada.
Impassível,
sarcástica, preconceituosa, ela inquire, determina, ordena, se ocupa de seus
bordados, seus pincéis, seus jogos de carta, reza, escuta rádio, coordena a
legião de empregadas.
Poucas
vezes é apanhada em uma emoção. Se indignada, fecha os olhos e comprime os
lábios numa cólera surda. Sabe-se de sua mágoa
pela incapacidade demonstrada pelo jardineiro em dizer, em inglês, após muitos
anos de serviço eu sou Jonas, o jardineiro. Mas, se discute com o filho,
se lhe escreve uma carta com queixas e reprimendas, se conversa com a cunhada
sobre a filha doente, tudo isso ficará ausente da narrativa.
Como
também seus afetos. Ignora o cunhado, recebe os norte-americanos à distância e
à distância permanece de sua única filha: quando,
quando, mamãe você me enxergará? indaga Selene numa pergunta não formulada.
Com
o passar do tempo, se transformará. Os cabelos embranquecem, as mãos se cobrem
de manchas escuras, as articulações enrijecem. Emagrece mais um pouco, passa a
ler com óculos. E seu adorável sotaque
se acentua. Bebe conhaque e fuma cigarrilhas cubanas. Já não corrige as
empregadas, não adverte, não aconselha. Fascinada por Hitler, depois da derrota
da Alemanha na Segunda Guerra, ela não mais sairá da Biblioteca.
Toda
essa gama de informações sobre ela ao longo dos três romances não a deixa,
porém, menos distante. Porque personagem talhado a partir de uma focalização
externa, dela tudo se presume e muito se ignora.E´dada a conhecer apernas por
algo de sua aparência, eventualmente por seu traje, por um hábito ou gesto ou
expressão.
Nas
páginas dos três romances, é uma figura esmaecida e guardando o mistério de
suas motivações interiores que,no entanto, é ricamente plena de significados
que ultrapassam as tsimples funções e os simples perfis romanescos.
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