domingo, 12 de janeiro de 1997

A condessa

            Olímpio Borges da Fonseca e Menezes era um republicano ferrenho, más, em pleno campo rio-grandense construiu um castelo medieval, perigosamente rondando o mau gosto. E casou com uma condessa austríaca.

            No que o autor, Luiz Antonio de Assis Brasil chama uma série, Um castelo no pampa, composta de três romance (Perversas famílias, Pedra da memória, e Os senhores do século) é contada a sua história desde o dia em que nasce até o momento de sua morte. Naturalmente, a ela se agregam muitas outras entre as quais a história da condessa: Charlotte Von SpelHerb, órfã, herdeira de propriedades nos arredores de Engelharststeten, perto da Hungria que visita, em Paris, a Exposição Universal.

            Olímpio arrebata-se por ela e seu pedido de casamento é aceito com tal rapidez que o faz presumir tratar-se de uma condessa com as finanças arruinadas e na expectativa de um bom casamento.

            E o casamento se realiza – o noivo era rico pelos dois – e a traz para o Brasil onde sua vida acompanhará a de Olímpio, latifundiário e político e ela será uma presença nos três romances que formam Um castelo no pampa.

            Presença que se instala a partir de uma banal informação do narrador ou de um personagem (volta sozinha da Europa; não freqüenta a sua casa na cidade; aperta a campainha para chamar a empregada; responde a alguém com uma ou duas palavras, por vezes definitivas; dá alguma ordem ou se presume que a tenha dado). Ou, a partir de um episódio complexo como o da visita da amante a seu marido no castelo ou aquele em que é relatada a sua morte.

            Mas, salvo o uso de um ou dois verbos pensou (que logo teremos o outono), decidiu (que ficaria no banho até o anoitecer), é um personagem perfeitamente construído do exterior, somente pelo olhar dos demais personagens ou muito breves referências do narrador.

            Para Olímpio, quando a conhece em Paris, sua magreza não é agressiva, antes diáfana. Mais tarde a verá bela, aristocrática.      Para os frequentadores do Clube Comercial de Pelotas, ela é seca, mais alta do que o marido. O cunhado no teatro a enxerga tesa, muito branca e magra e para o filho Proteu a sua gravidez não chega a dobrar a nobre verticalidade de um ser acostumado às elegâncias do espírito e do corpo. E, assim, a encontra o marido ao voltar de uma de suas ausências: ereta em sua dignidade, emoldurada pela buganvília. E, assim a vê o neto Páris vertical, tesa e magra e assim, esguia, pálida a vê Antonia, a copeira.        As mulheres observam-lhe os trajes no dia 1º de janeiro de 1900 quando se exibe em cetim pesado e azul e tules e rendas e bordados em ouro e gargantilha de pérolas e diamantes. A mãe de sua futura empregada a presume rica com seu colar de pérolas e para o pequeno cunhado é uma jovem dama perfumada.

            Impassível, sarcástica, preconceituosa, ela inquire, determina, ordena, se ocupa de seus bordados, seus pincéis, seus jogos de carta, reza, escuta rádio, coordena a legião de empregadas.

            Poucas vezes é apanhada em uma emoção. Se indignada, fecha os olhos e comprime os lábios numa cólera surda. Sabe-se de sua mágoa pela incapacidade demonstrada pelo jardineiro em dizer, em inglês, após muitos anos de serviço eu sou Jonas, o jardineiro. Mas, se discute com o filho, se lhe escreve uma carta com queixas e reprimendas, se conversa com a cunhada sobre a filha doente, tudo isso ficará ausente da narrativa.

            Como também seus afetos. Ignora o cunhado, recebe os norte-americanos à distância e à distância permanece de sua única filha: quando, quando, mamãe você me enxergará? indaga Selene numa pergunta não formulada.

            Com o passar do tempo, se transformará. Os cabelos embranquecem, as mãos se cobrem de manchas escuras, as articulações enrijecem. Emagrece mais um pouco, passa a ler com óculos. E seu adorável sotaque se acentua. Bebe conhaque e fuma cigarrilhas cubanas. Já não corrige as empregadas, não adverte, não aconselha. Fascinada por Hitler, depois da derrota da Alemanha na Segunda Guerra, ela não mais sairá da Biblioteca.

            Toda essa gama de informações sobre ela ao longo dos três romances não a deixa, porém, menos distante. Porque personagem talhado a partir de uma focalização externa, dela tudo se presume e muito se ignora.E´dada a conhecer apernas por algo de sua aparência, eventualmente por seu traje, por um hábito ou gesto ou expressão.

            Nas páginas dos três romances, é uma figura esmaecida e guardando o mistério de suas motivações interiores que,no entanto, é ricamente plena de significados que ultrapassam as tsimples funções e os simples perfis romanescos.

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