Em
1964, José Cândido de Carvalho publicava O
Coronel e o lobishomem. O narrador, Ponciano de Azeredo Furtado, um dos
mais ricos e expressivos personagens da Literatura Brasileira, ao longo do
relato que faz de sua vida de proprietário de imensas terras, menciona algo de
sua aparência física e, muitas vezes, se refere às características de seu
temperamento e de sua maneira de atuar. Então, na sua singular forma de
expressão, usa dos símiles. Ou, servindo-se de formas já consagradas pelo uso
da língua ou daquelas que inventa. Em ambos os casos, reafirmando a admirável
escrita do autor do romance, o segundo que escreveu, passados quase trinta anos
do aparecimento de Olha para o céu,
Frederico!
Para dizer da sua
concordância com o interlocutor, Ponciano de Azeredo Furtado, diz que balança a
cabeça como boi de presépio, escuta o
postulante na maior atenção como manda o figurino e curva o congote como compete a um sujeito educado. No
intuito de demonstrar a sua fina educação diante de Isabel Pimenta, ao lhe ser
apresentado, lembra: Curvei, como bodoque
de bugre, os dois metros do coronel, pois quando quero nenhum galante da cidade
pode comigo em mesura e vassalagem. Esperto
para negociar, firma seu nome na praça como
sujeito atilado e, precisando, se faz de desentendido, no que sabe manobrar
como gente das ribaltas. Quando deve
enfrentar o fantasma do avô, bem sentado na sua cadeira como se estivesse vivo,
confessa ter sentido uma pontada no
espinhaço como em noite que fui picado de jararaca estando em vadiagem de
menino. Falta de coragem que, também, demonstra ao sair em comitiva, com
seus homens, para enfrentar a onça. Na aparição da fera, é uma fuga só, mas,
ele, cujo medo não fora presenciado por terceiros, fica muito brabo com seus homens, suspende o almoço que seria para
festejar o sucesso da empreitada e, caminhando na sala de lá para cá, remói o acontecido
nos detalhes mais mínimos, em imitação de
boi. Em várias circunstâncias, não demonstra pejo em falar de seu sentir:
estar feliz como um passarinho ou
cheio de brabeza como um possesso ou
de suas intenções (vou rebentar esse
confiado como quem rebenta um ovo choco) ou da conseqüência de seus atos (Foi como eu mexer em gaveta de lacraia).
Porém,
assim como para se retratar, usa, de vez em quando, as comparações, igualmente
as emprega para exibir as fraquezas de seus próximos. O gosto pela bebida de
Janjão Caramujo, o faz beber feito gambá
de galinheiro; a falta de coragem de seu capataz Juquinha Cantanilha que,
ao ouvir suas histórias de assombração o deixa amarelo e mais parecendo um rato assustado; no desentendimento entre
Totonho e Fontainha em que um teve medo do outro, Totonho foi achado no sótão
de seu hotel mais amedrontado do que um gato na água.
Tais
comparações, constituídas de elementos muito próximos do rude universo em que
vive e reina o Coronel, ademais de auxiliarem na composição de seu perfil e de
alguns daqueles que lhe são próximos e serem indicadores da riqueza de sua
linguagem, reafirmam a verossimilhança, ainda que mágica, de um relato em que
cenário, personagens, ações e fantasioso se entrelaçam à perfeição.


