Dizer
que a publicação de Olhai os lírios do campo mudou sua vida é repetir o
que já é por demais sabido. No Prefácio para a edição do Círculo do Livro, em
1966, lembra que foi a partir desse romance que pôde fazer da Literatura uma
profissão. O seu sucesso foi muito grande: em poucos meses esgotaram-se várias
edições. Um sucesso que o autor gaúcho confessa não entender muito bem, uma vez
que o considera um tanto fácil e
exageradamente sentimental, mas que, talvez, tenha explicação no seu romantismo e na sua intriga. Um amor que a escolha do indivíduo e, depois, a crueldade
da vida impedem de se concretizar na felicidade. Uma intriga na qual os
desencontros são frutos apenas da fragilidade das decisões.
Eugênio,
médico, deseja ser rico; Olivia, médica, aspira servir seu semelhante. Seus
caminhos se cruzam e, quando podem resultar paralelos, a morte os interrompe.
Como em outros de seus romances, Érico Veríssimo, como já o observara Wilson
Martins no capítulo de A Literatura Brasileira. O Modernismo 1916-1945
(São Paulo, Cultrix, 1965) que lhe consagra, mistura ao relato longos trechos de discussões teóricas de política
ou de filosofia social [...]. Se tal procedimento acarreta o
enfraquecimento ficcional, ao inserir matéria estranha, causando, assim,
ruptura na unidade narrativa, por outro lado testemunha inquietações que,
vicejando nesse longínquo ano de 1938 em que foi escrito o romance, continuam
sendo as mesmas que atormentam alguns brasileiros nos dias de
hoje.
Inquietações
expressas pelo Dr. Seixas e por Eugênio. O
doutor Seixas era um homem grande,
barbudo e de ar agressivo, amigo de Eugênio e que lhe dizia: médico de gente pobre é como mulher de beco: faz tudo. Vivia atormentado pelos credores e pela bronquite
crônica; não nega os defeitos dos homens, porém , nem por isso, se
desinteressa de suas dores. Quando vai buscar Eugênio para que o ajude na
operação da mulata velha, magra e
escangalhada, que deseja salvar, não deixa de se questionar se existe razão
para isso, pois, em dez dias, ela iria estar na beira do riacho, lavando roupa
outra vez para criar os seus cinco filhos. E se pergunta, pergunta a Eugênio,
quando é que gente assim, Que não pode
pagar vai ter o seu hospital, a sua assistência médica decente?
Eugênio
já se distanciara da vida rica e cômoda que o casamento por interesse lhe havia
propiciado, para voltar a ser médico de
cinco mil réis a consulta. Começara a se sentir médico de verdade. Atendia
cada cliente com solicitude, interessava-se pela sua vida, surpreendia-se com o
sofrimento. Cada ficha de paciente não continha somente um nome e alguns
sintomas, mas se impregnava, também, de seus dramas. Como homem, queria
entender, ser útil, dar conforto e ajuda. Médico, desejava aliviar, dar o
remédio da cura, porém, na maioria das vezes, nada podia fazer. Entre as conclusões
desoladoramente materialistas, a sua relutância em aceitar a destruição
irremediável da morte e a tendência
em acreditar que misérias e conflitos poderiam desaparecer dentro da grande
harmonia universal, se instalam, ainda, seus ideais utópicos: E se um dia os homens de gênio e de boa
vontade descobrissem um meio de empregar todas as conquistas do engenho humano
no sentido de minorar os males da humanidade? Talvez conseguissem achar
trabalho para todos, pão para todos, saúde para todos ou pelo menos para a
grande maioria.
A
prática do cotidiano, ao atender gente pobre, faz com que responda à pergunta
do Dr. Seixas, dizendo que um dia, quem sabe, possa existir a medicina
socializada: um grande hospital de
urgência com um perfeito serviço de ambulância, todos os recursos da técnica,
muitos médicos... Iam, os dois, a caminho do hospital para operar a
lavadeira. Ouvindo sua resposta, o Dr. Seixas conclui: Dois malucos sonhando de olhos abertos dentro de um carro de praça.
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