São
palavras sonoras e envoltas no mistério de seu significado, pois não são
facilmente encontráveis no rol daquelas que pertencem à língua oficial: caguncho trapizonha, gurumbumba, enganço. Por vezes, algum provérbio, um
dito popular: berrava por qualquer
maracujá de gaveta, não pregava prego
sem estopa, botar guizo na onça, pintar o caneco. Pitoresco de uma
linguagem que figuras de estilo – dessa forma alguns recursos são chamados pela
norma culta – enriquecem numa harmoniosa combinação de espontaneidade e
despretensão da narrativa. No cenário do engenho, nos personagens que o habitam
e nos que a eles se enredam, o eu narrador se revela. No seu dizer, a sinédoque
e os símiles fazem parte da representação do universo ficcional no qual ele se
inscreve. Assim, ao empregar a parte pelo todo, uma vez se refere ao engenho
São Martinho como o assoalho dos Menezes;
em outros três casos, a sinédoque serve para mencionar um primo cuja gordura baixou no sofá da sala e a
brabeza de Dona Lúcia, que, ao não suportar as afrontas do vizinho, sua beleza pegava fogo e quando ele
ousou tirar satisfações na porta de sua casa, pode ser vista a beleza dela avançar para cima do atrevido.
Em muito maior número e pródiga engenhosidade,
os símiles. Ora introduzidos pelo adjetivo feito
(A carruagem corria feito pássaro na
noite, Frederico era gavião que voava
feito andorinha, ora pelo verbo
parecer (Os mesmos hábitos, a mesma fala
mansa que parecia forrada de veludo,
Eu só tinha idéias que mais pareciam
lesmas, que não tomavam forma de jeito nenhum). Também por advérbios no seu
grau comparativo (mais por baixo que
minhoca na terra, o que doía, o que picava em mim mais que espinho brabo, era a secura de Dona Lúcia,
O pessoal da lavoura saía do horário das doze horas mais
ressequido que bagaço das moendas. Em diversos casos, definem
comportamentos (padre Hugo levantava os
dedos como galhos secos de cajueiro, Dona Lúcia, zangada, chegando no
engenho sem ninguém esperar, como
tormenta de verão, Quincas de Barros que entrara na briga do açúcar como leão e saiu como gambá); ou
maneiras de ser (o padre Hugo de Arimatéia era alto como vela de promessa; ou estados de espírito (Minha cabeça zunia como se tivesse besouros por dentro).
Quanto
às metáforas, aparecem para definir um ser inanimado, atribuindo-lhe, por
analogia, características de outros seres inanimados como o engenho de São
Martinho ser mesmo um túmulo ou
características de animais: o trem era aquela
lesma por cima dos trilhos. Sobretudo, são usadas para descrever algo dos
personagens ou para referir-lhes o comportamento: o padre Hugo tinha o rosto de cera e doçura de moça; Dona Lúcia, era aquele
temporal, tinha mão de seda e, no
entender de seu marido, coração de veludo.
Naninha de tão boa era um veludinho,
aa fala de Nabuco, uma fala de trombone.
Mas,
é, principalmente, na descrição de Frederico que abundam as metáforas. Para
dizer de seu jeito de viver: levava uma existência
de mandacaru, uma vida de convento,
era um plantado de raízes profundas na terra doce. Para desenhar-lhe o
perfil: seu rosto era de pedra, tinha
a palavra suave, a doçura de anjo,
dava ordem quase ao ouvido, era aquele
algodão e suas desculpas eram vestidas
de seda. Por duas vezes, o seu jeito solitário, leva a ser tido por urso e
sua esperteza por raposa velha, uma raposa de mil astúcias que, ao
desejar vencer o concorrente, procura cercá-lo de arame farpado de mil astúcias.
Ao redor dele,
desse Frederico a quem o título do romance dirige a exortação de ser menos
materialista é que se tece o relato na voz de seu sobrinho e pretenso herdeiro:
Eduardo de Sá Menezes. No retrato que faz do tio com quem convive durante seus
anos de adolescência, vai-se delineando o seu próprio perfil e alinhavando uma
história de família. Um micro-universo se mostra – nos traços de paisagem, nos
seres enovelados em medíocres sentimentos, nos momentos de apogeu e declínio de
uma classe que hesita entre a produtividade e a ostentação viciosa – em Olha
para o céu, Frederico! Romance que José Cândido de Carvalho marca com o seu
impecável manejo do idioma – um popular
sem tropeços e o requinte das imagens – e faz dele um dos maiores ficcionistas
brasileiros.



