Eduardo
de Sá Menezes, ao ler no jornal um trabalho que, sobejamente, elogiava seu tio
Frederico, responde, no desejo de pôr os pingos nos is, diminuindo-lhe a
figura, num artigo em que diz ter ele
arrotado grandeza por tudo que foi
virgula. Não convenceu, porém, seu antagonista que tornou a enaltecer o
trabalho de Frederico, reconstruindo com
mãos de calo o que os dedos finos dos
barões arruinaram para concluir que essa nobreza de cana acaba sempre apodrecendo sem eira nem beira. Eduardo de Sá Menezes,
ofendido, lhe aplica nos fundilhos
meia-dúzia de pontapés. Depois,
planeja uma vingança: escrever um negócio
em que mostrasse seu tio como ele era de verdade. Órfão, ainda criança, fora
por ele acolhido e com ele conviveu quinze anos, nos quais não chegou a
conhecê-lo a não ser pelos seus atos e palavras: trabalhador, uma raposa de mil astúcias que jamais se
impacientava. Sua voz nunca saía daquela
mansidão de paina e ao argumentar o fazia em garganta de paina. No cuidado com as filhas do usineiro – que já
tentara prejudicá-lo, invadindo suas terras – quando visitavam sua casa, se
esmerava em cercá-las dos cuidados mais
de paina. Morreu, deixando para o sobrinho grande parte do que possuía, um mundo de terras e ainda alguns contos
de reis para o cofre de dinheiro. Patrimônio que Eduardo de Sá Menezes – da
estirpe dos barões, de que tanto se orgulhava – não demorou em arruinar pela
sua absoluta incapacidade de reger trabalhos e negócios ou de fazer frente aos
boicotes advindos de sua prepotência sem medidas. Com os prejuízos surgindo de
todos os lados, ele se confessa impotente
contra essa onda de desmandos que
vinha com pés de paina.
Publicado
em 1939, na breve nota introdutória quando de sua quarta reedição, José Cândido
de Carvalho diz ser Olha para o céu, Frederico! um velho amor. E ele tem razões para tal, pois esse romance de estréia no seu desenrolar
harmonioso, na riqueza das figuras que o povoam, na expressividade de sua linguagem, se constrói
em perfeição.
Cinco
anos antes, Érico Veríssimo publicava Música ao longe. No prefácio para
a sua edição do Círculo do Livro, em 1961, o autor gaúcho diz que o considera
um livro medíocre e lhe menciona os defeitos e, também o fato, de apesar deles,
ter recebido, em 1934, junto com Os Ratos de Dyonélio Machado e com Totônio
Pacheco de João Alfonsus o Prêmio de Romance Machado de Assis, em vista do
qual fora escrito.
Ora
um narrador onisciente, ora Clarissa, no seu diário, dão conta desse universo
em que se instala uma família em crise. Na voz do narrador, o cotidiano de
Clarissa onde se inserem os pequenos dramas individuais daqueles que vivem ao
seu redor. Eventualmente, breves descrições fixam o cenário: algo do casarão e
do jardim com seus canteiros arruinados. Nele, a paineira. À noite, está toda respingada de prata e seu perfil
rendilhado se destaca contra o céu noturno [...]. Na luz do dia, lembrada
por Clarissa, grande e florida, contra um
céu claro e, assim, reencontrada no quadro em que o pintor a reproduz, como
ela teria feito se soubesse pintar: a sua
paineira num dia de sol, toda
florida, contra o céu azul. Expressão de posse intensificada ao conversar com
o primo que pretende deixar a família e a cidade a quem pergunta se não tem
amor a sua terra. Ele responde que sim e se confessa preso ao pátio de sua
casa, à figueira, à paineira... Pelo narrador, Clarissa é surpreendida, inerte,
emocionada com a figura do primo que tanto deseja entender, como imóvel, silenciosa se ergue a paineira
contra o céu noturno. Ou, ao abrir a janela e ver a paineira que perdeu suas
flores e os passarinhos que nela moravam; ou, ainda, olhando para fora o
sol esmaecido, um pedacinho de céu azul entre as nuvens cinzentas, a paineira
sem flores. O que a emociona e a faz anotar no seu diário, tão importante
quanto suas tristezas e sonhos, que por causa do inverno não tem mais a sua
paineira florida.
Liame
afetivo de Clarissa e de seu primo com o mundo em que vivem ou razão indireta
da tragédia que sobreveio à família quando o artista forâneo, ao pintá-la, se
apaixona pela moça da casa, é correspondido e depois a abandona com o filho
pequeno, levando-a ao suicídio, a paineira florida contra o céu azul ou
despojada pelo inverno é, também, em Música ao Longe, marca poética do
espaço em que se passa a ação.



