Ele foi entregue no
porto a um sujeito (amigo de Alberto Ponsard), sujeito fino (capitalista ou
coisa que o valha) que também seguia. A seu lado, no cais, estava uma mulher.
Mas de certo não era a mulher dele. Embarcava também. Alberto Ponsard
recomendava que fosse tratado com carinho. O que, de fato, acontece. A mulher (morena e um tanto baixa, meio mongolóide –
tinha um ar oriental, asiático) dizia ter prática em viajar e, ao se
aproximar a hora da primeira refeição a bordo, faz questão de ir vê-lo na
segunda classe. Ao voltar, já havia decidido que ele deveria comer na primeira
classe e insiste com o capitalista, que se mostrava indeciso, para que isso
acontecesse.
–Você está na obrigação de pedir ao comissário que ele venha comer aqui
em cima. Tal foi feito, mediante negociações, das quais constava, não
somente um aporte em dinheiro como traje adequado a sua nova classe, solução
dada pelo capitalista que viajava com
muita roupa. Mais tarde, já informada que ele estivera preso, a mulher
conclui –Ora, o pobre... e continua a
se ocupar dele. Leva-o para almoçar em Santos quando ela e o capitalista
desembarcaram e, também, para São Paulo onde, foram tomar chá e ao cinema. E
onde o hospedaram junto com eles na casa dessa parenta, Dona Josefina, que
tinha uma bela casa e os receberia com prazer. Ainda que a surdez a impedisse
de ouvir o que se passava a seu redor, passou a manhã a contar ao Cati a
história da filha, loira e inteligente que havia morrido criança. Depois, pela
mulher asiática, sabe-se que Dona Josefina se encantara com ele, certamente
porque a ouvira calado. No retorno a Santos, para embarcar com destino a
Florianópolis, a asiática, outra vez, se interessa por ele quanto à passagem de
navio, preocupando-se quanto ao fato de que ele seja louco ou não. Mas, ele já
encontrara outro protetor, o médico de bordo, que por sua vez o irá cuidar. Na
escala em Paranaguá, desembarcam para comer os camarões de que todos falavam a bordo. Quando o navio torna a zarpar,
ficaram em terra a mulher de cara
mongólica e seu companheiro. Nem dela, nem dele, foram dados a conhecer os
nomes. São referidos como o sujeito, o homem, o amigo, o companheiro, o
indivíduo; como a mulher, a companheira, sua companheira de viagem, mulher
mongólica, a asiática, a mulher de cara mongólica, a sujeita. Tampouco, a não
ser esse traço fisionômico asiático da mulher e a referência a seus quadris muito proporcionados e ser,
aos olhos do companheiro de viagem, ágil
e bem feita, não constam muitas outras informações sobre ela.
Sobre
o capitalista, menos ainda: que na breve travessia até Santos, procurava fazer
uma viagem de comodidade o que era,
também, o intuito da mulher. Seguiam naquele navio, considerado grande, porque não haviam conseguido
lugar num dos verdadeiros paquetes que demandavam Buenos Aires. Ele opina sobre
a qualidade do navio em que viajariam, essas
gaiolas já estão mais confortáveis.
E ela garante que irão se conformar com isso. Viajando juntos e juntos tomando
decisões – usam, inclusive o pronome nós – também estão de acordo quando
aceitam se encarregar do Cati: –Mas não
há dúvida, afirma, o capitalista, lembrando – o que é contado pelo narrador
– que já cuidara alguma coisa, numa
viagem de trem: era um casal de galgos que seguiam para uma exposição. É,
porém, principalmente, a mulher que, sentindo pena do Cati, além de cuidá-lo no
navio e se ocupar dele durante a escala em São Paulo, providenciando,
inclusive, um agasalho para que enfrente o chuvisqueiro frio da cidade,
igualmente, se interessa pela continuação de sua viagem.
Essa
viagem que ele iniciara em Porto Alegre, conduzido por Norberto, em direção ao
litoral e depois, ao norte, quando já ambos presos foram levados sem que
tivesse sido precisado o motivo da prisão. Liberados, Norberto providencia a
sua volta para o Rio Grande do Sul. Responsável que fora por essa ida ao Rio de
Janeiro e pelas, nem sempre, agradáveis peripécias ocorridas durante a viagem,
posto em liberdade, conseguira, também livrar o Cati da prisão e disso
resultando ter que se haver com suas despesas. Continua se estabelecendo,
então, essa corrente de solidariedade em torno do Cati. Como as demais mulheres
que dele se apiedaram , a asiática é um de seus elos: um personagem sem nome e
cujo perfil é apenas esboçado que, ao se erigir em mulher liberada –à margem
das situações femininas usuais da sociedade da época em que foi concebido o
romance –, possui uma função que vai além de, simplesmente, fazer fluir a
narrativa. Sensível e bondosa, é um dos personagens, da ampla galeria de tipos
de O Louco do Cati (Editora Globo, 1942), não somente luminoso, mas,
principalmente, revelador de um Dyonélio Machado capaz de entender um universo
feminino e valorizá-lo ainda que o seu viver se faça à revelia dos preceitos
estabelecidos.

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