A critica
literária brasileira aponta, em geral, duas fases na obra de Jorge Amado: a
primeira, a partir de Cacau até Subterrâneos da Liberdade
(trilogia da qual fazem parte Os ásperos tempos, Agonia da
noite e A luz no túnel) e a segunda, na qual se incluem as suas
demais obras.
Subterrâneos
da Liberdade tem por fito traçar um
panorama da vida política brasileira
nos anos do Estado Novo. Jorge Amado, na verdade, quer fixá-lo a partir das
forças antagônicas que, na época, se digladiavam – o integralismo e o comunismo
– e que, então, conduzem as ações de seus personagens. Uma extensa galeria da
qual fazem parte os que dominam a cena (os políticos, os donos de grandes
fortunas e alguns intelectuais ou pseudo-intelectuais que estão a seu serviço)
e aqueles que lutam para instaurar uma nova orientação política (representados
pelos integrantes do Partido Comunista). Entre eles, Apolinário. Aparece em os Ásperos
tempos, primeiramente, a partir do que sobre ele era do conhecimento dos
seus companheiros: lutara no levante do quartel do Terceiro Regimento, fora
preso e dera magníficas respostas nos
interrogatórios, discursara diante do
juiz na fase de instrução do processo. Depois, no encontro com Marina, que fora
lhe entregar os novos documentos de identidade no hotel onde se hospedava ao
ser posto em liberdade, após quase dois anos de prisão e prestes a abandonar o
país com destino a Espanha, enviado pelo Partido para lutar nas brigadas
internacionais. Seu retrato vai-se fazendo: ao abrir a porta, mostra uma face jovem e sorridente de homem com ar infantil que faz com que Marina se
admire de não ter diante de si o que esperava: um cara barbudo e feio, como os comunistas que os cartazes da polícia pintam. Fala sem
parar, rindo sempre e pelas suas palavras se mostra um irmão atento e afetuoso,
um filho que sabe do sofrimento da mãe que pertencia a uma família de
militares, por ele ter sido expulso do Exército. E de seu contentamento em ir
participar na grande batalha entre o
proletariado e o capitalismo num país cujo nome não foi pronunciado, mas
que tanto Marina quanto ele, guardavam no coração. Ao ficar sozinho, examina o
documento de identidade que lhe serviria até atravessar a fronteira uruguaia.
Logo, seria o navio até a Espanha e, talvez, outros caminhos. As instruções, na
minúscula tira de papel que ele queimou o fizeram lembrar de um episódio na
cadeia, da fragilidade da irmã, de Marina, a saudá-lo de longe, vista pela
janela do hotel e, principalmente, da beleza da missão que o Partido lhe
confiara: eram os operários brasileiros que o enviavam para ajudar a luta dos
operários espanhóis. Não estaria longe do Brasil quando se encontrasse nas
trincheiras de Teruel. Ao contrário, todo esse mundo brasileiro, esse
misterioso mundo loiro de trigo ao negro de carvão, todo o Brasil estaria com
ele, estaria dentro dele e seriam as Marianas de todo o Brasil, os Joões de
todo o Brasil a sustentar o seu braço de fuzil levantando contra os falangistas
de Franco, os fascistas de Mussolini, os nazistas de Hitler.
Em
Agonia da noite, ele já está na Espanha e com a ferida na perna apenas
cicatrizada, marcha, entre laranjais, com seus soldados, cansados, porém
contentes da vitória que haviam tido. E’quando ele sente, de verdade, a
presença da morte ao encontrar a moça
tombada entre laranjeiras, os grandes olhos abertos, a mão crispada sobre as
folhas amarelas. Seu ventre fora rasgado
pela rajada de metralhadora, as frutas que estivera colhendo ficaram
esparramadas e o sangue dera tons
vermelhos à casca cor de ouro.
Algumas haviam sido partidas pelas balas e o seu mel saboroso se misturava ao
sangue da camponesa morta.
A
metralhadora abandonada logo adiante, sugere o autor dos disparos, soldados
inimigos que matavam soldados ou civis,
homens ou mulheres, jovens ou velhos, como o fizeram com os donos da casa e
do laranjal, tombados ali perto.
A
indignação de Apolinário e de seus soldados, diante dos inocentes mortos sem
defesa se acompanha do sofrimento que é presença constante num campo de
batalha. E, igualmente, daquela que advém face aos atos do inimigo, combatido
pelas Brigadas Internacionais, deixando clara a posição ideológica de Jorge
Amado, na época, 1952-1953, em que escreveu a trilogia.

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