domingo, 19 de novembro de 2006

A guerra da Espanha em Subterrâneos da liberdade: emoção


A critica literária brasileira aponta, em geral, duas fases na obra de Jorge Amado: a primeira, a partir de Cacau até Subterrâneos da Liberdade (trilogia da qual fazem parte Os ásperos tempos, Agonia da noite e A luz no túnel) e a segunda, na qual se incluem as suas demais obras.

            Subterrâneos da Liberdade tem por fito traçar um panorama da vida política brasileira nos anos do Estado Novo. Jorge Amado, na verdade, quer fixá-lo a partir das forças antagônicas que, na época, se digladiavam – o integralismo e o comunismo – e que, então, conduzem as ações de seus personagens. Uma extensa galeria da qual fazem parte os que dominam a cena (os políticos, os donos de grandes fortunas e alguns intelectuais ou pseudo-intelectuais que estão a seu serviço) e aqueles que lutam para instaurar uma nova orientação política (representados pelos integrantes do Partido Comunista). Entre eles, Apolinário. Aparece em os Ásperos tempos, primeiramente, a partir do que sobre ele era do conhecimento dos seus companheiros: lutara no levante do quartel do Terceiro Regimento, fora preso e dera magníficas respostas nos interrogatórios, discursara diante do juiz na fase de instrução do processo. Depois, no encontro com Marina, que fora lhe entregar os novos documentos de identidade no hotel onde se hospedava ao ser posto em liberdade, após quase dois anos de prisão e prestes a abandonar o país com destino a Espanha, enviado pelo Partido para lutar nas brigadas internacionais. Seu retrato vai-se fazendo: ao abrir a porta, mostra uma face jovem e sorridente de homem com ar infantil que faz com que Marina se admire de não ter diante de si o que esperava: um cara barbudo e feio, como os comunistas que os cartazes da polícia pintam. Fala sem parar, rindo sempre e pelas suas palavras se mostra um irmão atento e afetuoso, um filho que sabe do sofrimento da mãe que pertencia a uma família de militares, por ele ter sido expulso do Exército. E de seu contentamento em ir participar na grande batalha entre o proletariado e o capitalismo num país cujo nome não foi pronunciado, mas que tanto Marina quanto ele, guardavam no coração. Ao ficar sozinho, examina o documento de identidade que lhe serviria até atravessar a fronteira uruguaia. Logo, seria o navio até a Espanha e, talvez, outros caminhos. As instruções, na minúscula tira de papel que ele queimou o fizeram lembrar de um episódio na cadeia, da fragilidade da irmã, de Marina, a saudá-lo de longe, vista pela janela do hotel e, principalmente, da beleza da missão que o Partido lhe confiara: eram os operários brasileiros que o enviavam para ajudar a luta dos operários espanhóis. Não estaria longe do Brasil quando se encontrasse nas trincheiras de Teruel. Ao contrário, todo esse mundo brasileiro, esse misterioso mundo loiro de trigo ao negro de carvão, todo o Brasil estaria com ele, estaria dentro dele e seriam as Marianas de todo o Brasil, os Joões de todo o Brasil a sustentar o seu braço de fuzil levantando contra os falangistas de Franco, os fascistas de Mussolini, os nazistas de Hitler.

            Em Agonia da noite, ele já está na Espanha e com a ferida na perna apenas cicatrizada, marcha, entre laranjais, com seus soldados, cansados, porém contentes da vitória que haviam tido. E’quando ele sente, de verdade, a presença da morte ao encontrar a moça tombada entre laranjeiras, os grandes olhos abertos, a mão crispada sobre as folhas amarelas. Seu ventre fora rasgado pela rajada de metralhadora, as frutas que estivera colhendo ficaram esparramadas e o sangue dera tons vermelhos à casca cor de ouro. Algumas haviam sido partidas pelas balas e o seu mel saboroso se misturava ao sangue da camponesa morta.

            A metralhadora abandonada logo adiante, sugere o autor dos disparos, soldados inimigos que matavam soldados ou civis, homens ou mulheres, jovens ou velhos, como o fizeram com os donos da casa e do laranjal, tombados ali perto.

            A indignação de Apolinário e de seus soldados, diante dos inocentes mortos sem defesa se acompanha do sofrimento que é presença constante num campo de batalha. E, igualmente, daquela que advém face aos atos do inimigo, combatido pelas Brigadas Internacionais, deixando clara a posição ideológica de Jorge Amado, na época, 1952-1953, em que escreveu a trilogia.

 

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