
Subterrâneos
da Liberdade se inicia com a instauração do Estado Novo no Brasil num
relato que, brevemente, se atém às circunstâncias que o antecederam para se
estender naquelas que, então, se originaram. Relato constituído de diversos
núcleos narrativos, congregados ao redor do deputado Artur Carneiro Macedo da
Rocha, (descendente da velha elite paulista)
de Mariana (ativo membro do Partido Comunista), de Manuela (moça pobre e
ingênua que se deixa seduzir pelo jovem rico sem caráter), do banqueiro Costa
Vale e que, a par das ações que os dinamizam, expressam as suas verdades e seus
parâmetros críticos. Nos diálogos, as assertivas da elite dominante e as dos
que militam no Partido Comunista a esboçar o momento político do país que a
data 30 de outubro de 1937, mencionada em meio à narrativa, enuncia com
precisão. Uns e outros não ignoram a ascensão, na Europa, das ideologias
totalitárias como tampouco ignoram a Guerra da Espanha, campo de luta onde tais
ideologias se digladiam. Em algumas seqüências de Ásperos tempos,
primeiro volume de Subterrâneos da Liberdade, aparecem referências ao
que acontecia na Espanha: Orestes, o velho
comunista, como se define, lamenta não ser mais moço para estar em Madrid
ou na Catalunha e lutar pelos republicanos e, indignado, se queixa dos jornais
brasileiros que somente noticiam as vitórias de Franco. Enquanto espera a partida
do ônibus para Santo André, Jofre, militante comunista compra um jornal que
abre para esconder o rosto e lê o editorial em louvor a Franco. Em reunião na
casa de Mariana para festejar o seu aniversário, a conversa girava sobre os mais diversos assuntos, da vida difícil cada
vez mais cara até uma discussão sobre a Guerra da Espanha, provocada
pelo cunhado da aniversariante, admirador de Franco. Suas palavras fizeram
levantar uma onda de protestos e até a
mãe, sempre pronta a evitar qualquer conflito com o genro, protestara,
levantando-se. –Esse Franco é um assassino de operários. Tenho fé que ele ainda
acaba numa forca. Deus me ajude!. E num texto do primeiro capítulo de Agonia
da Noite (segundo volume da trilogia), o que foi contado por um espanhol
que vivia no Brasil para um jornal da Espanha sobre o ocorrido em Santos quando
os estivadores se recusaram a carregar o café que seria enviado para Franco, no
navio alemão: as primeiras prisões, o início da greve para liberar os presos, o
assassinato de Bartolomeu e o ataque da polícia no seu enterro, os soldados
carregando o navio, as ameaças aos estivadores presos. E a afirmação de que a
greve, embora vencida, era uma prova de
que os trabalhadores brasileiros estavam ao lado do povo espanhol e o demonstravam[...].
Páginas antes, o relato desse episódio, na voz do narrador, se faz impregnado
de emoção a falar da cidade de Santos, ocupada como uma cidade de país em guerra, conquistada pelas forças inimigas; na incongruência das metralhadoras assentadas nos armazéns do porto, nas entradas dos bairros operários; a
pergunta: contra quais soldados se lançavam eles? Pergunta que irá originar
outras, fortemente marcadas pelo sarcasmo também presente na enumeração que faz
o comandante da cidade, daqueles que não são os inimigos do país. E, novamente,
a indagação: contra quem conduz o coronel as suas armas, contra quem comanda os seus soldados. A reposta agora, reafirma a
crença nos princípios socialistas, expressa a indignação diante da violência do
exército contra seu próprio povo. Uma crônica que não é diferente daquela que
foi relatada no jornal espanhol mas à qual se acrescentam fortes traços
conferidos pelo julgamento de valor frente à ação bélica que pretende castigar
aqueles que se recusam a carregar o café
roubado ao povo para ser oferecido a um assassino de poetas e operários.
Jorge
Amado, na sua realidade ficcional que documenta e acusa não se exime de
expressar os sentimentos que o norteiam, mas, por apaixonado e maniqueísta que
seja o seu relato sobre a greve dos portuários de Santos e da repressão por
eles sofrida, ele não disse inverdades, não se afastou da realidade dos fatos.
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