Em Las venas abiertas de América Latina,
história do saque continental desde as
caravelas até os tempos do jato”,
como sintetiza Hugo Neira , o Brasil está presente entre os outros países que
se deixam exaurir na calamitosa entrega de suas riquezas. Dias y noches de
amor y de guerra, publicado em 1978, sete anos depois, relata o que foi
viver (ou sobreviver) sob as ditaduras do Continente e das emoções que marcaram
Eduardo Galeano como profissional e como aquele que tem olhos de ver o mundo.
Então, registra um Brasil, como o Paraguai, o Chile, a Argentina, o Uruguai,
envilecido pelas perseguições e torturas, instituídas pelos seus regimes de
exceção: O primeiro morto por tortura
desencadeou, no Brasil, em 1964, um escândalo nacional. O morto por tortura
número dez, apenas apareceu nos jornais. O número cinqüenta foi aceito como normal. Também, fatos como a
estranha premonição da cigana que anunciou a Guimarães Rosa o momento de sua
morte; o assassinato de Vladimir Herzog; o nascimento de Felipe, filho de seu
amigo Eric Nepomuceno e o encontro com Darcy Ribeiro, quando, depois de
operado, já estava de partida para o Peru. E a história do homem que durante o
dia trabalhava no aeroporto do Galeão, limpando aviões e, à noite, incorporava
Vovô Catarino no seu terreiro, numa favela do morro carioca.
No
ano de 1982, Eduardo Galeano publica Los nacimientos, o primeiro volume
de sua trilogia Memoria del fuego, pequenos textos relatam a História da
América desde antes da chegada dos ibéricos até o ano de 1984 , e do Brasil
fala do padre Anchieta, do Padre Vieira e de Zumbi. No segundo volume, Las
caras y las máscaras (1984), além dos textos dedicados ao Padre Anchieta,
Dr. Luiz Gomes Ferreira, Aleijadinho, Manuel da Costa Ataíde, Tiradentes,
Euclides da Cunha, Machado de Assis, Antonio Conselheiro, Jacinta de Siqueira,
Barão de Mauá, Joaquim Nabuco (e menções a José Bonifácio, Castro Alves, Rui
Barbosa e Luiz Gama), outros se referem aos usos e costumes da sociedade
colonial, ao ouro e às riquezas do Brasil a serviço da metrópole e às políticas
extraviadas do país. Em El siglo del viento, o terceiro volume da
trilogia, (1986), escreveu sobre jogadores de futebol, escritores, músicos,
homens públicos, artistas e sobre a sociedade em que se moviam onde era lei
açoitar marinheiros por faltas cometidas; onde o ódio entre famílias ordenava a
vingança perpétua; onde os racistas do país ocupavam cargos importantes no governo;
onde a nova capital, apenas terminada, excluiu aqueles que a levantaram com suas mãos” e se instituiu a cidade do governo, a casa
do poder, sem povo nas praças, nem calçadas para caminhar; onde, para
salvar o país de males inventados, se instauravam ditaduras que jamais sequer
intentaram resolver os males reais, não se propondo propiciar terra para os
brasileiros, nem dar condições para que se alimentassem condignamente, pois, em
1974, dos setenta e dois milhões de
subnutridos do país, treze milhões estavam tão
vencidos pela fome que já nem podiam correr.
Na
verdade, todos esses perfis, todos esses fatos teriam sido passíveis de
chegarem ao conhecimento dos brasileiros se a maioria da população soubesse
ler, se as fontes de leitura fossem de livre acesso a todos, se houvesse
liberdade de expressão. E, se alguns perfis e alguns fatos, por razões
diversas, não tivessem sido ignorados ou se as informações sobre outros tantos,
por sua vez, não tivessem sido encobertas.
Eduardo
Galeano ao lembrar vivências, ao recontar a História da América o fez livre de
compromissos cerceadores e, assim, a revelou sob um outro prisma, como um
sinaleiro de novos caminhos, apontando realidades não poucas vezes escamoteadas
ou negadas.
No
texto “Alguém”, que recebe como data o ano de 1969 e como cenário Em qualquer cidade, Eduardo Galeano olha e vê: Em uma esquina, diante do
semáforo vermelho, alguém engole fogo, alguém limpa para-brisas, alguém vende
toalhinhas de papel, chiclete, bandeirinhas, bonecas que fazem pipi.
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