São
trinta e seis contos reunidos sob o título Teresa, que esperava as uvas,
livro de estréia de Monique Revillion que acaba de ser publicado pela Geração
Editorial, de São Paulo. No dizer da autora, seus temas, amor, sexo, velhice, encontros e desencontros, são universais. Inscritos na paisagem urbana, cenário
de violências, solidões e afetos sem destinatário, os contos ora se constroem
de um quase nada, como a diluir da situação dramática a sua carga afetiva.
Assim, o toque solidário do entregador de pizza na mão da mulher que ele
presume infeliz, quando o atende na porta; assim, o gesto de apertar um urso de
pelúcia da mulher na seção de brinquedos do supermercado. Ora, reconstroem
fatos terríveis, não fossem eles banalizados pelo cotidiano, como a trajetória
da menina, personagem de “Uma história de M” que, se inventada por Monique
Revillion, no entanto, está sendo vivida (igual ou semelhante) por um número
infindo de crianças brasileiras, o que ninguém ignora; como o drama de
Ezequiel, do conto “O soldado Ezequiel”, designado para fazer o relatório sobre
os cinco mortos, jogados numa picada deserta; como o ódio nascido das carências
e desabrochado no uso das drogas do conto “Os primeiros que chegaram”.
Ou,
a crueldade que se instala, repentina, num momento familiar, fadado à alegria
do convívio. Em “A janela”, uma história banal: a filha que se envergonha do
pai. Mimada por ele que procura lhe oferecer o que de melhor a lida do fumo garantia e sofrida pelo abandono da
mãe, alimentava uma solidão, a sua e a dele, que não admitia palavras. No dia
de sua formatura, o pai prepara um café da manhã especial, se apronta e fica à
espera. Ela aparece, bonita na roupa nova,
se desvia da ternura paterna para, antes de sair, dizer que sem sapatos ele não
podia ir, que era melhor ficar em casa. E
sem mais nada dizer, nem sorrir, nem
hesitar, seguiu o seu rumo. Para o leitor se esclarecem os atos do pai, que
o relato já enunciara: tirou o terno
lustroso, descalçou as sandálias,
vestiu a camiseta e as alpargatas de lona. Tenta retomar o cotidiano ao
cevar um mate, ao tirar a mesa e guardar a broa que não fora tocada. No quarto
da filha, prostrado, passa os dedos sobre as letras do convite, sabendo que em algum lugar haviam estampado o seu sobrenome. Na tristeza, rebuliço de navalhas por dentro, vislumbra o futuro sem consolo, sem encontro.
“Bibelô” se
inicia com a manhã deslizando numa promessa
de alegria porque o único neto viria
para o almoço. Depois, o detalhar de um início de dia, destinado a não ser
como os outros, na busca de agradar com o batom, o perfume, o vestido, o
penteado e a mesa posta e a comida caprichada. Quase ao meio dia, a chegada do
neto com o amigo e o almoço de conversa cerimoniosa, a ausência deles da sala e
o vislumbrá-los mexendo no guarda-roupa, o neto com o par de brincos de pérola
na palma da mão, a frase dizendo que A
velha nem vai dar falta, as risadas. Antes de irem embora, repetiram a
sobremesa e o neto esbarrou no bibelô de louça branca que, em cacos, ficou no
chão. Na vida da velha senhora se instalou o vazio.
De um retomar de
lembranças é feito “O triciclo azul”. Ao retornar à velha casa dos pais, ele se
depara com seus guardanapos de crochê, suas almofadas no sofá, seus móveis
antigos. E com a surpresa do triciclo recém pintado com o pneu sobressalente preso com
parafusos novos na traseira. Afloram-lhe as lembranças da meninice, do amor
que recebera dos pais, dos laços que rompera com suas ausências. Até saber,
pela faxineira, que o pai pintara o triciclo e encomendara o bolo de
aniversário, esperando por ele, na certeza de que chegaria. Lembrou-se da
promessa não cumprida e que não se dera conta, ao telefone, da voz desfigurada do pai, que então viera
enterrar.
Palavras
cuidadas, narrativa que flui no ritmo do tempo ou que no passado e no presente
se entrelaça, expressão de um sentir ou de uma visão de mundo, por vezes,
surpreendentes revelam, nesses contos, uma escritora cujo talento não precisa
trilhar caminhos conhecidos para perseguir
o seu próprio estilo”



