Pablo
Neruda, recém havia chegado em Barcelona, na década de trinta, quando recebeu a
notícia da morte de seu amigo Alberto Rojas Giménez, figura ímpar que ele descreveu em Confieso
que he vivido e cuja morte,
ocasionando-lhe uma dor muito intensa,
foi motivo da elegia que, então, escreveu: “Alberto Rojas Giménez viene
volando”, longo poema de vinte e duas estrofes, publicado na Revista Ocidente
e, que faz parte, também, de Residencia en la tierra. Como observa Emir Rodriguez Monegal em El
viajero inmóvil, a notícia, recebida através de um telegrama, chegou, para
Pablo Neruda, como se o próprio Alberto
Rojas Giménez viesse voando - daí esse
estribilho que acompanha cada uma das estrofes - e com ele, todo o seu mundo, arrastado como por um furacão de poesia.
Um mundo onde as violetas, as magnólias, os lírios, a papoula suavizam o
prosaico de um cenário urbano cujos contornos se oferecem na enumeração que
mescla dentistas, advogados, aviadores, notários, mulheres que desfazem tranças
com farmácias, cinema, canais, túneis, caracóis congelados e peixes sujos,
meninas submergidas e plantas cegas. Sobretudo, um espaço intensamente
relacionado com Alberto Rojas Giménez e com o que a sua perda significou para o
Poeta. Assim, as palavras indicativas de lugar, nas primeiras treze estrofes – entre,
sob, mais abaixo, mais além, sobre, perto, enquanto – conduzem
o amigo desaparecido, através dos mares, num percurso situado entre a realidade e o sonho. É o inverno
chuvoso, como poucos, até então, no Chile, em que Alberto Rojas énez atravessou
a cidade, sem agasalho, loucura que
resultou na broncopneumonia que o iria matar dois dias depois; e é a chuva torrencial caindo sobre a cidade
durante o seu velório e que inundaria o cemitério, que leva Pablo Neruda a
falar do “cemitério sem paredes”, da chuva a cair dos dedos do amigo, de seus ossos, de seu “coração caindo em
gotas”. Aniquilamento que ele quer refutar (“Não estás ali rodeado de cimento”, “Não é
verdade tanta sombra”, “Não é verdade tanta sombra em teus cabelos”) mas que,
inelutável, deve ser aceito ainda que no eufemismo
do verso “com traje novo e olhos extinguidos/vens voando”.
As
últimas estrofes da elegia dizem de uma natureza sombria, marcada por “andorinhas mortas”, “vento negro”, “peixes sujos”, “mar morto”, “um cheiro de manhãs chovendo”.
E da tristeza que o invade na alma onde chora, na solidão do “nada” e do
“ninguém”, somente povoada de “uma escada degraus quebrados” e de um “guarda
chuva”.
Nesse
alternar de expressões que remetem ao trivial com as que, ricamente sugestivas, beiram o alucinatório
– nelas,talvez, já esteja o prenúncio da poesia “sem pureza”
que Pablo Neruda postulará no primeiro editorial da revista Caballo verde
para la poesia, publicada em Madrid no mês de outubro de 1935 – se formam
matizes cambiantes nos quais se inscreve, igualmente, a ilusão do Poeta. Porque
do amigo possui, somente, o que presume ouvir ( as suas asas e o seu lento vôo) e, de certo, apenas, esse golpear da “água
dos mortos”.
Em meio aos versos da última estrofe, ainda a falar das perdas – Alberto Rojas
Giménez vem voando “sem açúcar, sem boca, sem roseirais”- advém a compreensão
do Poeta. Seu amigo vem voando “ sozinho
entre mortos, para sempre sozinho” a
cumprir o fado dos humanos.

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