Foi
escrito entre outubro de 1979 e maio de 1980, em Caracas e Mérida e em Paris, o
que foi chamado por Carlos Droguett de um prólogo
poético à narrativa que leria no “Coloquio
sobre el Cuento latinoamericano”, realizado na Sorbonne, em 1980, o que não ocorreu por falta de tempo: um
poema, gênero inusual no romancista chileno, cujo título “Augusto
Pinochet Ugarte viene volando”, foi calcado
em “Alberto Rojas Jimenez viene volando” de Pablo Neruda. Ao título,
perfeitamente, reconhecível, Carlos Droguett acrescenta a expressão “Apoyado en Pablo”, o que significa ter usado a mesma estrutura
de estrofes de três versos e o mesmo estribilho: Vienes volando, em cada
uma delas. Porém, enquanto Pablo Neruda expressa, no seu poema, a tristeza que
sentiu, ao receber, na Espanha, onde recém havia chegado, a notícia da morte de
seu amigo Alberto Rojas Jimenez, o romancista chileno exprime o sofrimento
indignado diante dos crimes cometidos pelo militar que usurpou, com
indescritível violência, o governo de seu país. Como relata no seu livro de
memórias, Confieso que he vivido, Pablo Neruda escreveu as vinte e duas
estrofes sob o signo imediato da emoção; ao acrescentar a seu poema datas e
lugares, Carlos Droguett registra a duração do tempo em que o poema foi sendo
escrito, no exílio, fruto de uma emoção experimentada seis anos antes e que se
intensifica com o passar do tempo. Enlaçando-se a figuras precisas – o amigo, o
déspota – os poemas revelam, na sua intenção e nos seus sentimentos ser um o reverso do outro. Assim, o que há de
luminoso na menção à figura do amigo, - Oh!
papoula marinha,oh!parente meu / oh
guitarreiro vestido de abelhas, celeste
voz- é sombrio desprezo nas referências ao verdugo chileno: Vestido de assassino e inteiramente nu, oh! traidorzinho vestido de cadáveres.
De
claros-escuros é feito o vôo de Alberto Rojas Jimenez, companheiro de juventude do Poeta que lhe traça o perfil
como um elegante, um boêmio, um desprendido, uma figura que tudo ilumina. No
poema de Carlos Droguett é um retraçar de caminhos turvos: Pentágono, Carlos Prats estraçalhado pela
bomba de um atentado, o palácio de La Moneda incendiado, dólares, garras, de
onde emergem os esquerdistas cegos, as donzelas rotas, os operários
desaparecidos, os berços afogados, os estudantes mortos, punhais, túmulos,
queixumes, vítimas, a bandeira suja que, indissoluvelmente, se liga aos
cenários e aos tempos de horror a que o 11 de setembro de 1973 condenou o
Chile; e um percorrer de labirintos de
misérias: sob túmulos e cadáveres, além do sangue, dos ossos, do próprio
vômito, sobre saques e farmácias, entre frascos de aspirina morta.
Na
última estrofe, a morte condenando ao aniquilamento – não mais sombra ou nome,
não mais açúcar ou roseirais – iguala Alberto Rojas Jimenez a todos os mortais. Como o iguala a
definitiva solidão do ser humano diante da morte que o Poeta presume: Vens voando, sozinho solitário / só entre os mortos, para sempre
só. Versos retomados, na íntegra,
por Carlos Droguett, também, na última estrofe do seu poema. Antes, porém, não
poupa esse cujo nome não ilude. Nos seus versos, ele vem
voando sobre um cemitério só
dele, onde seus pobres regimentos se extraviam. Ele vem voando enquanto seus próprios excrementos caem, enquanto o
sangue de seus dedos caem, enquanto o pus de sua família cai, enquanto suas
vítimas e suas genuflexões caen. E, se, voando, ele vem liberto de crimes ( dos
túmulos e das greves), vem igualmente
privado de consolos ( do açúcar, do pão,
da pátria, dos sapatos). Acompanhado, porém, dos seis mil olhos, fatais, já desfeitos.
“Augusto
Pinochet Ugarte viene volando” não foi lido no auditório da Sorbonne nesse dia
de maio. Carlos Droguett voltou a seu exílio na Suiça e não viveu para voltar a
pisar a terra de seu país, livre dos esbirros ditatoriais.

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