Ele
ocupa um lugar no bonde e chama a atenção do cobrador e dos passageiros ao dar
o centenário, um dinheiro falso, para
pagar a passagem e, também, pelo chapéu que usava. E’ o homem do chapéu,
magistral figura do romance O Louco do Catí de Dyonélio Machado. No fim
da linha, vê, ao longe, o armazém e para lá se dirige. Outra vez, o impasse com
o seu centenário que acaba negociado
pelos cigarros que fora comprar. Os fósforos, pagos por um dos rapazes que ali
estavam preparando uma viagem breve até o mar. A eles, se incorpora. Parecia
ser meio louco (o que não tinha
importância) e sem recursos (somente daria despesas), mas, Norberto que apressava
os companheiros para a partida, concluiu que empenhariam o seu chapéu. E,
assim, se iniciou, para ele, a viagem que resultaria bem mais longa do que a
anunciada.
Se, na ida até o Rio de Janeiro e no Rio de
Janeiro as circunstâncias e Norberto lhe determinaram o cotidiano, na sua volta
para o sul, o itinerário, os meios de transporte, o alojamento, o traje, algum
lazer foram decididos por aqueles que aceitaram dele se fazer cargo. Além de
sua iniciativa de entrar no bonde em Porto Alegre, descer no fim da linha,
comprar cigarros e, já em Caxias, a passagem para Santa Maria, ao longo desse
percurso que não escolheu, esteve sempre sob a guarda de alguém. Protegido,
porém despojado de vontade própria. Raramente, manifestou o seu querer e,
quando o faz, ele não é atendido. Assim, Norberto decide que deve voltar para o
sul, mas na pensão onde moravam propõem que fique ainda um tempo; depois, a sua
revelia, o embarcam, recomendado a um casal, para Santos. Ao chegar, eles o levam junto para São Paulo e, na
volta, é embarcado para Florianópolis. Lá, o médico de bordo passeia com ele
pela cidade e lhe consegue lugar num caminhão que ia para Lages. O chofer o
hospeda na sua casa (Lhe sai mais em
conta), decide se vai junto com a família para a feira e, para atender ao
desejo da mulher, quando deve ir embora. Para isso, pede ao coronel que
partiria para Caxias que o leve junto. O coronel, não apenas lhe cede um lugar
no carro, como providencia o seu pernoite e, no dia seguinte, a viagem de trem
para Santa Maria, onde o convence a dar uma volta pela cidade. Depois, a viagem
para Livramento, e de avião (o coronel lhe paga a passagem) para Quaraí. O mau
tempo que impedira a viagem por terra, obriga à aterrissagem forçada, em pleno
campo, perto de uma fazenda para onde se dirigem os passageiros. Um deles, tem
a capa preta com botões dourados. O louco
do Catí não lhe tirava os olhos,
encolhido, desandando no vento, que tudo fazia para lhe arrebatar o chapéu de
Norberto... o chapéu que lhe ficava
grande. Na tarde escura, se assusta diante dessa figura, de aspecto estranho, lendário e grita – O Cati! O Catí!. É a lembrança que o
persegue desde guri: o temor que a todos paralisava diante do que ocorria no
Cati; o homem preso, manietado que iria ser morto, que vira quando menino.
Lembranças feitas do medo a ressurgir sempre que se depara com imagens
remetendo à muralhas, a uniformes negros ou à situações que presume ser ou que,
efetivamente, são de violência. E que sob o mau tempo, o levam a fugir pelo
campo e desaparecer. Ia em busca do...
Cati! , conduzido, guiado noite a
dentro, já sem o fito de lutar, se entregava aos demônios de sua infância e não
errava a estrada. Quando o dia rompeu Já
vinha sem o chapéu. Compreendera que não valia a pena se opor ou fugir dos
fantasmas que estavam na origem de sua humilhação
inferior: olhar triste, gestos de alegria, silêncio. Ao seu redor, sob as
nuvens que se afastavam, a terra se clareava toda e as ruínas do Cati,
cenário de tantos crimes, já não eram mais
do que escombros. A luz e a nova certeza o transformaram e com o chapéu
extraviado, perdera-se o querer dos outros. Liberto, ele sorria.
Era, ainda,
muito moço.

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