Ao longo do romance, ele se revela por um gesto, uma atitude, seu jeito de vestir e, muito, por esses chapéus que o acompanham e estão sempre como que a compor-lhe a comovente figura.
O passageiro do bonde [...], assim tem
começo O Louco do Cati,
romance de Dyonélio Machado. O narrador, após definir o seu olhar, se detém
no que nele havia, talvez, de extraordinário, o chapéu que usa: Um chapéu de copa alta, fendida bem no
centro, como um desses pães que antes de ir ao forno as donas de casa entalham
com um gesto fácil e profissional de bordo de mão. Nesse primeiro capítulo,
o personagem, o passageiro do
bonde, passa a ser o homem do chapéu pois nesse chapéu o
cobrador se fixa como, também, os
passageiros, curiosos em relação a sua pessoa e ao seu chapéu.
Curiosidade que irá se repetir na viagem empreendida com o grupo que ideara a excursão de Porto
Alegre para o litoral. Ao pedirem informações a um praieiro, este, apreensivo, olha para ele e para o seu
chapéu. Plena de incidentes, a viagem se prolonga até o Rio de Janeiro. De
regresso, em dado momento, o coronel que dele estava encarregado, percebe o chapéu que usa, forçando-lhe as orelhas para baixo.
Porque, então, já era um outro chapéu. O primeiro, que sobressaía de seu dorso
curvo, que harmonizava com seu colete, que os companheiros lhe põem na cabeça
quando ele muda de lugar na caminhão em que viajavam, Norberto, que o anexara ao grupo, empenhara ou vendera com o fito de enfrentar
as despesas. Episódio que não consta do relato e se revela, mais tarde, quando, ao chegarem,
na prisão do Rio de Janeiro, Norberto, preocupado com a aparência do
companheiro, reflete, que, talvez, não devesse ter metido o pau naquele chapéu de copa alta, o chapéu
dele. Igualmente, não figura no
relato, como obteve o boné de brim. Na
praia , logo no começo da viagem,
enquanto Norberto joga baralho , ele permanece esperando num canto.Já
estava sem o chapéu. Em sua substituição, trazia um boné de brim ( desses de
praia), com uma pala de celulóide, também verde. Enterrado até as orelhas
na sua cara escura, não o salva da
curiosidade dos passageiros do ônibus, no trajeto em que viajavam, ele e
Norberto, já presos. Obedecendo a orientação de Norberto (não aparece explícita,
apenas sugerida) no restaurante tira, vivamente, o boné da cabeça e o põe no
bolso. Depois, na saída da cadeia, em
Florianópolis, Norberto manda que tire o boné e deixe de lembrança aos amigos
de cela. Como lhe parece que tem menos jeito de andar sem chapéu, lhe dá o seu,
enfiando-o na sua cabeça: Ficava grande.
Entrava até as orelhas, as quais dobravam prá fora, sob a pressão das abas,
como duas asa.
E
é este chapéu que irá usar, a partir de então. Ao ser posto em liberdade da
prisão do Rio de Janeiro, esquece as
recomendações de Norberto, já livre, e com ele se desencontra. Porque reconhece
o chapéu que havia sido seu, comprado em Montevidéu, Norberto dá por ele a
espiar numa fresta de construção. Em outro dia,
quando o prepara para uma visita e coloca na sua
cabeça o chapéu, Norberto lembra do outro, o
de copa alta, o chapéu armado, que possuía.
Já na viagem de volta, há um momento em que a gola da capa de chuva
esbarra contra o chapéu muito folgado,
que lhe bailava na cabeça; em outro,
permanece com o chapéu molhado que
esmagava molemente umas
orelhas, aparentemente tornadas também amolecidas com a chuva; em outro, ainda, deseja colocar algo no bolso, se atrapalha e
não pode ajudar com a outra mão porque se
achava ocupada com o chapéu.
Se
os chapéus do Louco do Cati despertam a
curiosidade e a sua singeleza submissa induz à solidariedade, eles são, também,
motivos para tornar claro como ele se deixa levar nesse longo itinerário
percorrido que o distancia de seu lugar de origem e que a ele o conduz de volta
com a paciência de quem espera.




