Em
1954, Pablo Neruda publica Odas
elementales, resultado de seu desejo, assim o explica em Confieso que he vivido, de
reescrever muitas coisas já contadas, ditas e reditas. Foi um livro muito
bem recebido pela crítica, mesmo daquela que, até então, lhe havia sido
adversa. Nele revelou, como nos que se lhes seguiram, Nuevas odas elemementales (1956) e Tercer libro de las odas (1957), um novo rumo na sua poesia, um dos
seus mais ricos ciclos poéticos. Com admirável claridade e alegria, busca
mostrar a beleza das coisas simples, aceitando o dever que acredita ser o do
poeta: cantar para todos e, com o seu canto, dar um sentido à vida.
“Oda
a la cuchara” (Ode à colher) pertence ao Tercer
libro de las odas, cujo primeiro
poema, “Odas de todo el mundo”, como a “Ode à crítica I” e “Ode à crítica II”
(respetivamente de Odas elementales e de Nuevas odas elementales),
é um dos manifestos desse lirismo que pretende doutrinar com versos: o que é
belo também é um ensinamento para os homens. Como o pregão de um mascate – Eu vendo odes, De tudo / um pouco / tenho / para todos – Pablo Neruda as oferece:
elas são de todas as cores e tamanhos, seráficas, selvagens, finas / enroladas / como arame ou de inclinação dolorida / cobertas / pelo / aroma
/ enterrado / dos lilás. Um universo em que se misturam as escuras alegrias infundadas, as coisas do coração partido, com a simplicidade
do cotidiano, presente no tomate, no cimento, nos trens, na colher.
A
estrofe inicial da “Ode a la cuchara” remete a esse querer
transmitir ensinamentos. Nos primeiros versos, define a colher como a concha, a
mais antiga mão do homem, cuja forma,
na madeira ou no metal de que é feita, deixa perceber, ainda, o molde / da palma / primitiva [...], oco nascido da palma de
sua mão, ao qual o homem acrescenta um braço de madeira. Assim, espalhou-se por
itinerários feitos de montanhas, rios, barcos e cidades, castelos e cozinhas
onde o difícil – algo na aparência tão óbvio, mas que o Poeta não deixa por
dizer – foi ela juntar-se com o prato do
pobre e com sua boca.
A quinta
estrofe é feita da voz do Poeta , não mais a defini-la, cada / vez / mais / perfeita, a lembrar que, pequenina, na mão da
criança, lhe oferece o mais antigo / beijo
da terra /[...], porém a assumir um coletivo indicado pelo verbo, na
primeira pessoa do plural, que propõe o tempo de uma nova vida. Os verbos lutar
e cantar, indicando as ações necessárias, num gerúndio a expressar
continuidade, e o verbo será a
expressar a certeza desse mundo sem fome
que o Poeta vislumbra. E que imagina imenso com todos os pratos na mesa, um vapor oceânico de sopa e um total
movimento de colheres. O alimento, um direito de todos os homens como a beleza
e a alegria, representada pelas flores, acrescidas a essa mesa posta e farta.
Flores humanizadas pelo adjetivo felizes
que envolve também o alimento (a sopa fumegando) e aos que dele usufruem
(compreendidos no total movimento de
colheres). Significado luminoso e em acorde com o pensamento do Poeta ao
almejar uma sociedade sem castas. E, em acorde com os primeiros percursos da
colher ao abrigar a água e o sangue / selvagem
/ palpitação / de fogo e caçada e a
herança silenciosa, / das primeiras águas
que cantaram. Na sua voz, que deseja ensinar, se mistura a que procura o
interlocutor (Sim, colher, diz um de
seus versos) e a que exprime a sua esperança e a de outros na utopia de
entrever o mundo sem fome. E iluminado pela beleza das flores felizes.
Muito interessante essa ode a colher, como um poeta consegue acoplar os utilitários utilizados pelos homens, fazendo um histórico de sua evolução, bem como seu uso tanto pelo pobre como pelo rico. Imagino que as colheres foi um instrumento primeiramente utilizado pelos de poder aquisitivo maior.
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