No
dia 5 de fevereiro de 1948, o Tribunal de Justiça do Chile emitiu uma ordem de
prisão contra Pablo Neruda que, passa, ajudado por amigos e durante meses, a
viver escondido no seu país. O relato sobre esse período em que viveu de casa
em casa, ludibriando a polícia, até atravessar os Andes a cavalo e chegar a San
Martin de los Andes, na Argentina, foi feito por seu amigo José Miguel Varas no
livro Neruda clandestino (Santiago, Alfaguara, 2003). Baseando-se,
principalmente em três textos – o de Jorge Bellet, publicado na revista Araucária,
o de Victor Bianchi, “Misión al lago Maihue” e o discurso de Pablo Neruda
quando da entrega do Prêmio Nobel – além de outros, consultou, também, a
imprensa da época e ouviu o testemunho de pessoas que, nesse período de
clandestinidade da vida do Poeta, com ele conviveram. Entre eles o de Jaime
Perelman que na época tinha doze anos e que cedeu o seu quarto e sua cama, para
que os pais pudessem abrigar o Poeta e Delia Del Carril. Lembra-se que,
fechados em casa, Pablo Neruda escrevia o Canto General e sua mulher
passava o dia desenhando mãos e cavalos em grandes folhas de papel. À tarde, ao
chegar das aulas ele e o irmão conversavam com o Poeta que lhes contava
histórias de elefantes, de aves, de macacos ou improvisava cenas teatrais em
que eram os donos dos textos e das atuações. Porém, desse convívio, o que mais
o impressionou foi a “Operação beija-flores”. Pablo Neruda havia observado que
nas trepadeiras floridas da casa vizinha apareciam muitos beija-flores para se
alimentar. Pensou em atrai-los para os galhos secos do arbusto que estava perto
de uma janela da casa onde se hospedava, explicando o seu plano para os
meninos: primeiro fazer flores de papel colorido e, então, colocar sob elas,
presas com arame, ampolas de injeção cheias de mel diluído na água. Ainda que
toscas e de tamanhos diferentes, os beija-flores se deixaram enganar e iam
diariamente sorver o mel das estranhas flores para alegria dos meninos e do
Poeta.
Anos
depois, em 1955, Pablo Neruda compõe as odes que publica sob o título Nuevas
Odas elementales (Buenos Aires, Losada, 1956). Entre as cinqüenta
que dele fazem parte, a “Oda al pica-flor”. À semelhança de outros que fazem
parte do livro, é um longo poema. Muito breves como a acompanharem o vôo
relâmpago do pequeno pássaro, os versos o definem, aproximando-os da água, do
fogo, do arco-íris. Dizem de seus movimentos (minúscula bandeira voadora, vibração
do mel / raio de pólen) e metaforicamente, o descrevem numa sucessão de
imagens (semente do sol, fogo emplumado,
fio de ouro, fogueira verde). Entre
elas, o Poeta o interpela (o que es, / de onde te originas?), numa pergunta
cuja resposta ele próprio encontra. E perguntas e respostas expressam essa
inclinação que possui o Poeta de se maravilhar diante das coisas e dos seres.
Imagina-o nas antigas eras (na idade cega
do dilúvio), no percurso mágico das transformações (a rosa congelada em
antracita; o fragmento desprendido do réptil: última / escama cósmica, uma / gota / do incêndio terrestre para
ser, agora, feito de beleza. Resposta a qual se encadeiam os dizeres sobre sua
vida (dormes numa noz, giras / como luz na luz / ar no ar),
sobre sua valentia (o falcão / com sua
negra plumagem / não te amedronta),
sobre as suas cambiantes cores (escarlate, amarelo, verde, laranja, negro).
Na
inigualável invenção com que se serve das palavras, o Poeta faz nessa ode
explodirem nuanças de cor e danças do vôo, recriando o encanto sempre tão
efêmero que é a presença de um beija-flor. Pequeno
ser supremo, milagre que arde
desde a Califórnia até a Patagônia, ele diz e ao esboçar a geografia americana,
não lhe nega esse destino de Continente massacrado que os últimos versos do
poema não deixam esquecer quando à luminosa figura do beija-flor, Pablo Neruda
contrapõe a sombra ao definir o beija-flor também como pétala dos povos que calaram, / sílaba do sangue enterrado, / penacho
/ do antigo / coração/submerso.

Nenhum comentário:
Postar um comentário