El hombre que trasladaba las ciudades. Sem se afastar da
verdade histórica, Carlos Droguett a refaz, insuflando-lhe vida e criando um
dos mais belos e perfeitos romances da Literatura Hispano-americana. A partir
da Crônicas de la Conquista de América, a narrativa se constrói sobre o destino
da cidade de Barco, fundada por Juan Núñez de Prado, Em 1973, a Noguer, de
Barcelona, publicou a mando do Vice-rei do Peru. Ameaçado pelos espanhóis do
Chile que pretendem o território, quer salvá-la e, para isso, a muda de lugar
três vezes. O segundo capítulo, “El segundo traslado”, narra a viagem que já se
iniciara, a decisão de permanecer no lugar considerado bom, os primeiros
trabalhos que a reconstroem e, ainda, a meio construir, a ânsia de, outra vez,
mudá-la de lugar. Ações e gestos se cumprem outra vez e temores e dúvidas e
certezas e sofrimentos. No relato, igualmente, expressões se repetem e
significados se volvem mais intensos e de grande força poética.
Em
1977, na Suíça, onde vivia como exilado político, Carlos Droguett disse a
Francisco A. Lomeli, numa entrevista, que o revolucionário de um escritor é
reescrever a História e falar de sua terra, contar a História que os
historiadores não escreveram. Nos seus romances da Conquista, ele não inventa
personagens nem episódios e em El hombre
que trasladaba las ciudades, o terceiro da trilogia, o dilema de Juan Núñez
de Prado – entregar a outro a cidade que fundara ou defendê-la como algo que
lhe pertence –, registrado nas fontes históricas se adentra nos desejos e
obsessões que o romance delineia: o turbilhão de sonhos e lutas em que ele e
seus capitães e seus soldados se enredaram e o martírio que o perseguir esses
sonhos representou. E se a paisagem com as árvores, as águas, os montes, o céu,
as flores e com os animais, os cavalos, as ovelhas, as mulas, os cães e os
pássaros se mostram, freqüentemente, plenos de vida, as relações entre os homens,
por sua vez, se mostram, sempre cruéis. E submissas, sempre, aos renovados
conflitos que no relato labiríntico do romance, muitas vezes, se reafirmam num
dizer de vasto e engenhoso uso do pleonasmo.
No
segundo capítulo, “El segundo traslado”, eles são numerosos. Alguns,
relacionados ao cenário em que se inscrevem as paixões dos homens onde o gado bramava, roçando as árvores e lançando sua
gritaria lastimosa na direção do céu, esse céu cálido e cheio de fumaça e havia ruído, ruído de soldados que caminhavam
sobre a madeira ruído de conversas,
onde se escutavam vozes, queixas,
murmúrios, rezas talvez, murmúrios
misteriosos e fatais e viam-se flores,
grandes vasos de flores, uma sacada
inteira florida. Porém, principalmente, se referem ao estado dos
prisioneiros (era tão velho, tão velho,
estavam amarrados, amarrados firmemente,
vira a cabeça triste, ligeiramente triste, do padre Carvajal (estava cansado, cansado), dos soldados (as cadeiras
sem fundo, as cadeiras coxas como soldados, como pobres e tristes soldados que retornam da deserção, da traição, da
forca [...]), dos feridos (tão
quebrados, quebrados como as portas e
janelas). Também, abundantes, os que se referem às relações entre os
homens. Quando o capitão Miguel Ardiles, com seus soldados chega na cidade a
meio desmanchar, Juan Núñez de Prado se espanta: viu as cordas que atavam os prisioneiros e viu Ardiles rir
nervosamente, seus belos dentes agora carcomidos, seu belo riso franco e audaz
agora atemorizado e incrédulo [...]. E a presença do verbo, repetido para
duas realidades, ambas degradadas (homens amarrados, significando dissidências
e um riso nervoso a indicar insegurança) e a presença do advérbio agora deixam mais cruel a transformação
ocorrida, como cruel é o que diz: trago
feridos e doentes, doentes e feridos te trago [...]. Palavras que repete,
mudando-lhes o lugar na frase, a confirmar sofrimentos e a sua emoção que o
narrador registra e que vai ao encontro da emoção de Juan Núñez de Prado: soluçava e ele soluçava[...]. Ou, quando um soldado, querendo defender o seu
direito de ficar onde construíra a casa, enfrenta Juan Núñez de Prado ao
constatar o possível anseio de procurar um apoio, no verbo agarrar: tens medo e te
agarras a uma adaga, te agarras a teu
medo para não rodar no abismo [...]. E, também, às convicções. Diz Vázquez
ao padre Cedrón que o acusa de matar soldados: Não, padre, eu não os mato, os mata o vice rei e o rei também, e o
vice rei é, além disso, sacerdote, os mata Deus e olha que Deus gosta da
justiça molhada, espremo as folhas do antigo testamento e vejo que gotejam.
Como gotejam tuas mãos, Vasquez, disse lentamente o padre, dando-lhe uma bofetada. O pleonasmo, nesse caso, se
apresenta com o uso do verbo no fim da frase, enunciada por um interlocutor e a
sua repetição na frase seguinte,
introduzida por uma comparação, pelo outro interlocutor e possuindo,
então, sujeitos diferentes.
Evidente,
nestas seqüências, a capacidade inventiva do escritor chileno que se revela, e
em profusão, no uso de pleonasmo atido a qualquer classe de palavra, seja ela
um advérbio, um verbo, um pronome, uma preposição, um adjetivo ou um
substantivo.
Assim,
nada mais que em relação a alguns substantivos e adjetivos, é fácil perceber
que o pleonasmo se apresenta com dois substantivos justapostos (tinha a cara cheia de lágrimas e sangue, lágrimas e sangue do padre); um
substantivo repetido, sendo, o segundo,
modificado por um adjetivo anteposto (o velho deve ser um malvado, um
suave malvado); um adjetivo anteposto no primeiro deles e por dois,
pospostos no segundo (com receosa ironia,
uma ironia provisória e insegura); um substantivo e um adjetivo repetidos, tendo,
entre eles, uma oração (é um homem bom,
juro que é um homem bom); um
substantivo e um adjetivo repetidos, mas para qualificar seres distintos (cavalos cansados, índios cansados, delgado sol, delgado medo), um adjetivo
repetido, sendo, o segundo, modificado por um advérbio de modo (era evidente, era tristemente evidente); um adjetivo para completar o sentido de dois
verbos distintos (despertavam nervosos e
se limpavam nervosos do barro e do sangue).
No
romance em que se sucedem as noites e os dias no céu cambiante, em que o vento,
a chuva, os ruídos, dos homens e dos animais, aparecem e tornam a aparecer, o
uso do pleonasmo é, sem dúvida, parte desse repetir-se incessante, que o
talento de Carlos Droguett torna cheio de
fascínio.

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