Em 1973, a Noguer,
de Barcelona, publicou El hombre que trasladaba las ciudades. Sem
se afastar da verdade histórica, Carlos Droguett a refaz, insuflando-lhe vida e
criando um dos mais belos e perfeitos romances da Literatura Hispano-americana.
A partir da Crônicas de la Conquista de
América, a narrativa se constrói
sobre o destino da cidade de Barco, fundada por Juan Núñez de Prado, a mando do
Vice-rei do Peru. Ameaçado pelos espanhóis do Chile que pretendem o território,
quer salvá-la e, para isso, a muda de lugar três vezes. O segundo capítulo, “El
segundo traslado”, narra a viagem que já se iniciara, a decisão de permanecer
no lugar considerado bom, os primeiros trabalhos que a reconstroem e, ainda, a
meio construir, a ânsia de, outra vez, mudá-la de lugar. No relato, se
pontilham as hesitações expressas pela conjunção alternativa que
diluem as certezas dos homens da Conquista.
No
seu livro La novelística de Carlos Droguett (Madrid, Playor, 1983), Francisco A. Lomelí,
no capítulo dedicado a El hombre
que trasladaba las ciudades, diz
que o escritor chileno, nesse livro, desenvolve duas correntes simbólicas: o
significado da Conquista da América ibérica e a psique contraditória de Juan
Núñez de Prado que, no romance, a representa, encarnando os sonhos desmedidos e
a crueldade dos conquistadores.
Lembranças,
ações presentes, sonhos, impressões num todo movido ao ritmo das paixões a se
expressar na voz de vários narradores que se incrustam nesse mundo caótico dos
primeiros tempos do Continente, feito, sobretudo, de morte e de destruição.
Daí, esse constante oscilar entre uma idéia e outra, entre um sentir e outro,
entre uma ação e outra.
Juan
Núñez de Prado se vê diante das armas apontadas para ele, para protegê-lo
ou para guardá-lo ou para matá-lo.
Seu olhar para os capitães, no desejo de que entendam que não estava nem
a troçar nem a ameaçar, pode ser inocente ou aquoso. E seus atos,
questionados pelo capelão por ter sido cruel ou injusto. Igualmente,
seus capitães e seus frades – no fazer e desfazer da cidade – se submetem ao
cambiante das coisas e das situações: Vasquez, a espada agarrada na mão,
desejoso de se enfurecer em dois minutos para sair correndo atrás dos índios ou
dos prisioneiros atados ou dos móveis antes de que os matassem ou amarrassem ou
queimassem. Humarán, olhando os móveis quebrados ou novos, amontoados na
rua como se não lhe interessassem em absoluto nem desejasse compra-los,
desprezá-los ou despedaçá-los com as patas dos cavalos ou a ponta da
espada [...]. O padre Carvajal a gritar friamente, como descobrindo uma
destemperança, uma falta de cavalheirismo ou uma armadilha no trato que
lhe era devido. E os soldados e os índios, por sua vez, sofrem a sina dos
mais fracos e indefesos. Querendo ficar na casa, na cidade construída, eles,
porém, chegam ou partem; ausentes, desaparecem os seus gritos de protesto
ou explicação; adormecidos, o padre Carvajal lhes descobre uma febre ou
um terror na escuridão; diante da ordem que não querem cumprir, deixam ver
os olhos aterrorizados ou fatigados. Por vezes, são individualizados:
um deles tem umas horríveis mãos de cigano ou aventureiro ou de
bandido; outro, barba de berbere ou marroquino ou mudéjar ou turco;
e o que parecia zangado ou defraudado; ainda,
o que respirava com cansaço ou com novo medo. Este medo que é constante entre os índios:
continuamente, bestas de carga, a levar nas costas os pedaços da cidade, há
o que esmagado pela roupa ou pelo medo ou pela escuridão, ria sarcástico ou chorava
de terror ou estranheza.
E no cenário das relações degradadas,
estabelecidas com a chegada dos ibéricos, elas se expressam até mesmo pelo que
é inanimado: viu brilhar os pés da cadeira na escuridão e caminhou até ela,
a levantou e viu que havia outra, outra mais, todas em fila, colocadas de pé ou
viradas, viradas pelo terror ou lufada de vento, pela urgência do terror
ou da lufada de vento.
Breves
e incisivas, disseminadas no texto, essas expressões estampam intenções e
sentimentos que as alternativas possíveis fazem oscilar: inspirado estratagema
estilístico para expressar o que afirma, o que nega, o que duvida. Pois, assim,
sinuoso e incerto, tresloucado nas certezas e nas crueldades o caminho dos
ibéricos no Continente foi, outra vez, criado por Carlos Droguett.


