E’
em Veracruz que Laura Díaz vinda, junto com a mãe, de uma propriedade rural,
passa a viver, pela primeira vez, com o pai e o irmão. Carlos Fuentes, no seu
conhecido propósito de entrelaçar destinos individuais e coletivos, centra nela
o fio narrativo de seu romance Los años con Laura Díaz que a Alfaguara
publicou em 1999. O relato, dividido em vinte e seis capítulos, se atém a datas
precisas que abarcam todo o século XX e cada uma delas se acompanha de um lugar
específico – um café, um trem, uma rua, uma cidade – que, necessariamente, não
desenha o cenário em que se desenrola a trama porque ela se enovela à revelia
do cronológico e do espacial.
Assim,
a cidade de Veracruz. O terceiro capítulo do romance, “Veracruz:1910”, apenas,
fugazmente, faz menção a algum aspecto da cidade que lhe dá o título. A
referência a sua situação litorânea e portuária primeiro se faz, en passant,
quando a mãe de Laura Díaz estabelece, ao se mudar, os mesmos horários
e a mesma ordem da casa paterna que deixara para trás, considerando que por mais inquieto e deslavado que fosse o
porto, o sol saía à mesma hora, fosse perto do lago da fazenda, fosse à beira
do mar. A ela se acrescenta o registro do narrador sobre a variedade de peixes
e mariscos que lhe permitiam sábias combinações culinárias. E se completa na
menção ao mar da cidade, lento, plúmbeo,
pesado, brilhante; e aos passeios de Laura Díaz com o irmão pelas docas
onde ele lhe assinala os trilhos pelos quais deslizavam os furgões, carregados
de cadáveres de operários assassinados que foram jogados no mar: deviam pagar a
culpa, segundo o ditador de turno, de terem feito greve mantendo-a com valentia.
Sem levar em conta a pouca idade da irmã, continua enumerando atos de repressão
– lançar rebeldes acorrentados ao mar, fuzilar mineiros, manter trabalhadores
em escravidão, prender os que se opõem – contra os que pedem algo tão simples,
no seu entender, como democracia, eleições, terra, educação, trabalho.
No
capítulo seguinte, será dito do calor das noites de Veracruz, de suas rápidas
tormentas estrondosas a mostrá-la diferentes de Xalapa, cidade serrana de dias
cálidos e noites frias, novo local de residência da família de Laura Díaz que
deixara para trás seu irmão, fuzilado por conspirar contra o governo federal.
Carlos Fuentes diz de sua chuva fina,
persistente, a tornar tudo verde e a encher, completando sempre, até as
bordas, a represa de onde ascendia a leve bruma da cidade. Depois, a esboça
pelas percepções de Laura Díaz: ar
frio-chuva e chuva pássaros-mulheres vestidas de negro-jardins belos-bancos de
ferro-estátuas brancas pintadas de verde pela umidade-telhados vermelhos-ruas
estreitas e empinadas-cheiros de mercado e padarias, pátios molhados e árvores
frutíferas, perfume de laranjeiras e fedor de matadouros. É, ainda, menina,
nos seus indecisos doze anos,
disposta a perder o amadurecimento prematuro que lhe dera a morte do irmão,
disposta a ser menina outra vez, a se deixar guiar pelo olfato, fazendo-se de
cega para reconhecer o úmido dos parques, a abundância das flores, os cheiros
de couro curtido, de algodão, de tintas, de sapataria, de farmácia, de
barbearia, de percal, de café fervido e de chocolate espumante.
Veracruz,
insinuada em breves traços, cuja presença irá se impor no enumerar das torpezas
que são parte de sua História e da História do Continente. Xalapa, pressentida
nos odores, guiando a sua descoberta. Partes de um México penalizado pela
opressão, enriquecido pelos seus múltiplos significados de vida. Repúdio e
exaltação num fazer constar que o escritor, servindo-se dos recursos que lhe
permite a ficção, enraíza nesse mundo que lhe pertence e que revela feito de
realidades e de lembranças.

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