domingo, 3 de novembro de 2002

Réquiem



           A Imprensa Oficial do Estado do Paraná publicou neste ano de 2002, na sua coleção “Brasil Diferente” e organizado por André Seffrin, Notícias do Paraná: comentários de Walmir Ayala sobre a arte paranaense (além de duas cartas, uma dirigida a Dalton Trevisan, outra a Curitiba) que apareceram, originariamente, entre 1968 e 1991, sobretudo, no Jornal do Brasil e no Jornal do Comércio do Rio de Janeiro e em Catálogos de Exposições. Os numerosos textos que fazem parte do livro comentam as obras de artistas paranaenses e a política cultural do estado. Três dentre eles tratam de Hélio Leites. O Hélio Leites que inventou o Assobiódromo Municipal de Curitiba, criou a Associação Internacional de Colecionadores de Botão e a Ex-cola de Samba Unidos do Botão com seus carros alegóricos em miniatura e que merece do crítico gaúcho palavras entusiasmadas: esse feiticeiro que criou, em cima do botão e do assobio, um movimento altamente criativo, o louco e criador e artista e poeta e equilibrado, mestre da poesia, arte postal e comunicação. Um inventor, raríssimo artista brasileiro. Sem dúvida, o incomum senso de humor, a perspicácia  crítica e uma criatividade verdadeiramente sem igual fazem de Hélio Leites um representante do pensar estético brasileiro muito peculiar e muito autêntico. E de uma autenticidade que se mostra, igualmente, no seu lirismo feito do inesperado e do surpreendente, do triste e do melancólico, fruto de um cotidiano convívio com os humanos.

            Há exatamente dez anos, Hélio Leites publicava n’O Estado do Paraná, um pequeno texto com o título de  “Tigre Curitibano”. Poema cujos três primeiros versos, com a objetividade que procura informar, sintetizam um fato que pode ser considerado e, certamente, o foi, por muitos, banal: o ter sido dada a morte a um tigre que fugira do circo e com essa morte, proporcionada à cidade condições para  dormir tranqüila. O verso que segue, porém, ao definir tal sono como um sono de chumbo introduz metaforicamente a noção de responsabilidade pelo crime ecológico que provavelmente as boas consciências justificam tanto quanto amestrar animais selvagens e condená-los, apenas para deleite de alguns, a um cativeiro cruel e injustificável. Também metafóricos os versos seguintes que falam do animal morto e que dorme, verbo a introduzir a palavra pijama que o irá descrever amarelo de listas negras. Logo, o retorno à cidade, desta feita, catalogada como costuma ser, capital ecológica, na qual pinga algo de vermelho o que, sem dúvida, está longe de ser aleatório ou inocente. Depois, a menção à fonte da informação primeira, a manchete dos jornais, dando conta do ocorrido para, então, surgir, o libertar da emoção. Ela cabe nos versos finais em que a expressão jaula vazia tem origem na realidade – o tigre não mais a habita – e num fantasioso desejo – o tigre voa vivo. Um voar impossível e um impossível estar vivo para a vítima da urbana caçada inglória, travada no asfalto. Mas, na ausência da vida, a sua imagem persiste na recriação do poeta que não deixa esquecer a triste vida desse tigre enjaulado e a triste morte que lhe coube.

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