Chega de
mansinho e se explicando no primeiro poema do livro, Eu não queria dizer / o que tanto
foi dito. Mas, rendido foi pela emoção de amar que o impediu do silêncio,
seus versos se sucedem belos, misteriosamente translúcidos. Agrupam-se num
pequeno volume, Livro dos amores, publicado pela WS Editor de Porto
Alegre, em 1999, Prêmio Açoriano de Literatura do Ano 2000. E cada um deles,
breve milagre da expressão amorosa, ora dirigida à mulher amada, ora
enovelando-se num dizer que procura se encontrar e que se mostra pleno das
riquezas de uma sabedoria assaz rara em alguém nascido há apenas quatro
décadas. Médico, psiquiatra, psicoterapeuta, autor de Caderno dos
espelhos (1993), Punhais do minuano (1998), Os olhos de Borges
(1999), Inventário de Cronos (2002), Jaime Vaz Brasil, é
inegável, conhece o ofício de poetar cuja síntese muito bem soube fazer Luiz
Antonio de Assis Brasil a respeito deste Livro dos Amores: aqui estão as dúvidas, as incertezas, as
certezas transitórias, enfim, aqui estão todas as vacilações e exaltações que
todos nós sentimos, mas que exigem um poeta de porte para nos dizer.
E Jaime Vaz Brasil é um poeta de
porte que se abriga sob a singeleza das pequenas estrofes, dos versos rimados,
de um dizer quase transparente, como no poema “O amor às portas do medo”, para
falar de um sentimento tão simplesmente humano como o medo que se enleia ao
querer, esperançoso, de outra vez se submeter ao amor. O medo de quem foi
marcado, minha alma tem remendos; de quem procura ser prudente e
se defender na solidão, Nas portas de
minha alma / quero instalar um
cadeado / Quero grades e barreiras/e
meus caminhos fechados, mas se vê impotente. E então, entrevê negociações
que, ingenuamente, usam o verbo impor, no desejo de receber a delicadeza das esponjas e espumas, admitindo, porém, na
última estrofe, um fracasso que o verso anterior explica: tenho a alma fraca e tonta e se confessando
indefeso face à invasão – outra vez estão
batendo – do amor.
Ainda
usando estrofes de dois versos, que neste Livro dos Amores parecem ser
da sua predileção, assim como o ritmo perfeito de seus heptassílabos, Jaime Vaz
Brasil se aprimora em “O Amor aos Olhos de Náufrago”. Poema em dois tempos em
que oito estrofes se fazem de ricas e sugestivas comparações a preparar os dois
versos finais. Com sua estrutura paralela e um instigante jogo de palavras, o poema é admiravelmente
construído sem que, no entanto, a sua forma trabalhada esmaeça o sentido lírico
do verso, eu chegarei ao teu corpo, primeiro elemento das sete comparações que
formam os três versos iniciais tanto no poema I quanto no II. Na primeira
estrofe ao barco na tormenta do poema
I, corresponde um barco em águas lentas
do poema II. Ou seja, uma palavra é repetida, porém o seu sentido se apresenta
transformado pelos seus adjuntos. Ainda na primeira estrofe, ao potro que se solta, do poema I,
corresponde o pássaro que pousa, do
poema II. Em ambos, a referência a um animal, aquele sabe pleno de juventude e
energia, pretendendo a liberdade, o que expressa a delicadeza e que procura o
repouso. Na segunda estrofe dos dois poemas, a comparação se completa no
segundo verso. E na terceira, não mais se inicia com o advérbio de comparação,
mas com a preposição com, dando idéia de modo (com febre de marinheiro, com a fome de cem dias, com a constância dos monges, com assombros de menino). Na quarta
estrofe, novamente a troca de palavras (e
o desespero de um náufrago depois de um breve esperar, do poema I ao que
irá corresponder “e a mansidão de um náufrago/depois de um longo esperar), antecedendo a última, idêntica
nos dois poemas: eu chegarei ao teu corpo
/ como um rio se entrega ao mar.
Um pleonasmo que além de exprimir teimosamente um desejo, desnuda a submissão
desse “eu” que se quer menor (rio) diante do objeto de seu desejo (mar).
Neste
domínio da forma que prescinde dos grandes recursos retóricos e da
grandiloqüência do léxico, o falar de amor de Jaime Vaz Brasil é feito,
sobretudo, de uma profunda riqueza lírica o que lhe permite o privilégio de
expressar o que tanto foi dito como
se fosse a primeira vez.
O Amor aos Olhos
de Náufrago
I II
Como um barco na tormenta Como
um barco em águas lentas
como um potro que se solta como um pássaro que pousa
como um potro que se solta como um pássaro que pousa
como quem grita no
escuro como
quem olha ou escuta
e ganha os ecos em si. O
silêncio dos mosteiros.
Com febre de marinheiro Com
a constância dos monges
com a fome de cem dias com
assombros de menino
e o desespero de um
náufrago e
a mansidão de um náufrago
depois de um breve
esperar depois
de um longo esperar
eu chegarei ao teu
corpo eu
chegarei ao teu corpo
como um rio se entrega
ao mar. Como um rio
se entrega ao mar.

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