domingo, 17 de novembro de 2002

Jacobina e o Imperador


            De pequena, era doentia nos seus desmaios que, segundo explicação do médico, ficaram sem tratamento, pois os sintomas eram confusos, e não se sabia bem onde terminava a doença e começava a mentira e vice-versa. Menina que se deixava impressionar e não aprendia a escrever, tampouco a ler. No livro de Luiz Antonio de Assis Brasil, Videiras de Cristal (Porto Alegre, Mercado Aberto, 1990), ela apenas se esboça em breves seqüências a dizer de um gesto ou de suas palavras que somente revelam o que um observador pode constatar: Jacobina, figura principal de um episódio da História do Rio Grande do Sul, ocorrido no fim do século XIX, que teve por palco um núcleo de colonização alemã a nordeste de São Leopoldo e que, ainda hoje, é quase desconhecido. Tendo aprendido com um meio Pastor vidente a ler na Bíblia e a interpretá-la, começou a pregação religiosa entre os doentes que vinham à procura de seu marido, um homem para quem as plantas não possuíam segredo e às quais ele dava razão para existir: uma simples erva que medrava inútil sob a sombra de uma pedra ou no oco apodrecido de uma árvore, se tornava [pela sua arte], a última esperança de um moribundo. Uma vez perguntou à mulher por que, nem sempre, o uso das plantas surtiam o efeito esperado. Jacobina, cada vez mais enfronhada nas páginas da Bíblia, respondeu: Farão efeito se você quiser me ouvir. O Espírito Natural pode te orientar. Ele fala pela minha boca. A partir de então, João Jorge Maurer prescrevia receitas que não mais eram dele, mas, como acreditava, do Espírito Natural que se manifestava por intermédio de Jacobina. Mesclando a cura de doenças, a caridade e promessas messiânicas, ela congregou a seu redor uma população carente e sofredora que, ao ouvi-la, encontrava lenitivo para seus males e esperança de uma vida melhor. Dizendo-se transmissora das palavras de Deus, pregou primeiro a paz e o amor. Mas, suas verdades se opunham àquelas pregadas por homens de coração duro cujas palavras vêm cobertas com a lama das mentiras. E logo apareceram os que a negavam e também os que se sentiam no dever de impedir que falasse. Intolerância  expressa na violência exercida sobre os seus seguidores e que fará com que Jacobina se transforme: Até agora eles só conheciam o coração de uma pomba, vão conhecer a malícia de uma serpente. E intransigências e fanatismos, levando a confrontos, fazem que dela e dos muckers, como eram chamados seus seguidores, emanem as destruições e as mortes. Iguais às destruições e às mortes de que eram vítimas. Sentindo-se acuada, à mercê dos ímpios que a negavam e a queriam destruir e das autoridades, pretendendo manter uma ordem ilusória, ela, ainda que duvidando da eficácia desse pedido – o Imperador vive em seu palácio e nunca nos ouvirá – permitiu enviar à capital do Reino emissários para solicitar ajuda. Redigem o pedido em alemão – a única língua que ela e alguns deles falavam – para ser traduzida e entregue em português, dizendo das agruras sofridas. Inútil precaução. O Imperador, ouvindo seu Ministro, diz aos três colonos, depois de lhes ter apertado a mão, que o papel tomará seu rumo. Diante da tentativa, por parte de um deles, de insistir, o Ministro se interpõe, argumentando que logo teriam notícias, que Sua Majestade iria tomar interesse pelo caso. Inconformados, se retiraram. O Imperador, vendo-os partir, observa que usavam paletós malcortados, sapatos de tacões comidos, bainhas esfiapadas. Já no landau que o conduzia para seu régio almoço, dizia para Gaston d’Orléans, seu augusto genro: Os alemães são pitorescos, aqui no Brasil. Você sabia Gaston [...] que o meu maior sonho seria trazer Wagner para reger no nosso teatro? É uma idéia que não me sai da cabeça. Dizem que ele está precisando de dinheiro”. Desencorajado pelo genro, ainda insistiu: Mas você já pensou Gaston, o Lohengrin aqui pelo próprio autor? O Monarca submergia em recordações. Começou a assobiar baixinho uma ária do amante desventurado, enquanto fechava a cortina do landau, deixando lá fora a poeira, o mormaço, o Brasil.

            No Sul, plantações eram devastadas, propriedades destruídas e homens perdiam a vida nas ações comandadas pelas boas consciências e pelo ódio.

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