De
pequena, era doentia nos seus desmaios que, segundo explicação do médico,
ficaram sem tratamento, pois os sintomas
eram confusos, e não se sabia bem onde terminava a doença e começava a mentira e vice-versa. Menina
que se deixava impressionar e não aprendia a escrever, tampouco a ler. No livro
de Luiz Antonio de Assis Brasil, Videiras de Cristal (Porto Alegre,
Mercado Aberto, 1990), ela apenas se esboça em breves seqüências a dizer de um
gesto ou de suas palavras que somente revelam o que um observador pode
constatar: Jacobina, figura principal de um episódio da História do Rio Grande
do Sul, ocorrido no fim do século XIX, que teve por palco um núcleo de
colonização alemã a nordeste de São Leopoldo e que, ainda hoje, é quase
desconhecido. Tendo aprendido com um meio Pastor vidente a ler na Bíblia e a
interpretá-la, começou a pregação religiosa entre os doentes que vinham à
procura de seu marido, um homem para quem as plantas não possuíam segredo e às
quais ele dava razão para existir: uma
simples erva que medrava inútil sob a
sombra de uma pedra ou no oco apodrecido de uma árvore, se tornava [pela
sua arte], a última esperança de um moribundo.
Uma vez perguntou à mulher por que, nem sempre, o uso das plantas surtiam o
efeito esperado. Jacobina, cada vez mais enfronhada nas páginas da Bíblia,
respondeu: Farão efeito se você quiser me
ouvir. O Espírito Natural pode te orientar.
Ele fala pela minha boca. A partir de então, João Jorge Maurer prescrevia
receitas que não mais eram dele, mas, como acreditava, do Espírito Natural que
se manifestava por intermédio de Jacobina. Mesclando a cura de doenças, a
caridade e promessas messiânicas, ela congregou a seu redor uma população
carente e sofredora que, ao ouvi-la, encontrava lenitivo para seus males e
esperança de uma vida melhor. Dizendo-se transmissora das palavras de Deus,
pregou primeiro a paz e o amor. Mas, suas verdades se opunham àquelas pregadas
por homens de coração duro cujas palavras vêm cobertas com a lama das
mentiras. E logo apareceram os que a negavam e também os que se sentiam no
dever de impedir que falasse. Intolerância expressa na violência exercida sobre os seus
seguidores e que fará com que Jacobina se transforme: Até agora eles só conheciam o coração
de uma pomba, vão conhecer a malícia de uma serpente. E intransigências e
fanatismos, levando a confrontos, fazem que dela e dos muckers, como eram chamados
seus seguidores, emanem as destruições e as mortes. Iguais às destruições e às
mortes de que eram vítimas. Sentindo-se acuada, à mercê dos ímpios que a negavam e a queriam
destruir e das autoridades, pretendendo manter uma ordem ilusória, ela, ainda que
duvidando da eficácia desse pedido – o
Imperador vive em seu palácio e nunca nos
ouvirá – permitiu enviar à capital do Reino emissários para solicitar
ajuda. Redigem o pedido em alemão – a única língua que ela e alguns deles
falavam – para ser traduzida e entregue em português, dizendo das agruras
sofridas. Inútil precaução. O Imperador, ouvindo seu Ministro, diz aos três
colonos, depois de lhes ter apertado a mão, que o papel tomará seu rumo.
Diante da tentativa, por parte de um deles, de insistir, o Ministro se
interpõe, argumentando que logo teriam notícias, que Sua Majestade iria tomar interesse pelo caso. Inconformados, se
retiraram. O Imperador, vendo-os partir, observa que usavam paletós malcortados, sapatos de tacões
comidos, bainhas esfiapadas. Já no landau que o conduzia para seu régio
almoço, dizia para Gaston d’Orléans, seu augusto genro: Os alemães são pitorescos, aqui no Brasil. Você sabia Gaston [...] que o meu maior sonho seria trazer
Wagner para reger no nosso teatro? É uma idéia que não me sai da cabeça. Dizem
que ele está precisando de dinheiro”. Desencorajado pelo genro, ainda
insistiu: Mas você já pensou Gaston, o Lohengrin aqui pelo próprio autor? O
Monarca submergia em recordações. Começou a assobiar baixinho uma ária do amante
desventurado, enquanto fechava a cortina do landau, deixando lá fora a poeira,
o mormaço, o Brasil.
No Sul,
plantações eram devastadas, propriedades destruídas e homens perdiam a vida nas
ações comandadas pelas boas consciências e pelo ódio.

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