As odes de
Pablo Neruda se inscrevem, no dizer de Emir Rodriguez Monegal (El viajero
inmovil. Buenos Aires, Losada, 1966), no desejo de uma poesia simples
para gente simples. Começou a escrevê-las em 1952 e, dois anos depois, reunidas
em livro, Odas elementales, foram publicadas pela Losada de Buenos
Aires. A crítica, inclusive aquela dos que até então haviam manifestado, em
relação a sua obra, toda sorte de reservas, lhe foi, desta vez, elogiosa,
submetida à alegria que impera nesse cantar, nascido das mais pequenas coisas.
A esse primeiro volume, se acrescentam outras, Nuevas odas elementales (1956),
Tercer libro de odas, (1957) e Navegaciones y regresos que, embora
com um título diverso, se constitui o quarto livro das odes. Publicado em 5 de
novembro de 1959, reúne cinquenta e três poemas. Cantos que são fruto desse
ofício – encher de pão as trevas / fundar
outra vez a esperança – que o poeta se propõe e que ele quer absoluto nas
odes sem fim, A todo sol, a toda lua
[...]/ a todo cão, pássaro, navio / a todo móvel, a todo ser humano. E
a âncora, a cama, o sino caído, as coisas quebradas, a cadeira, o prato, o
piano, a melancia, as batatas fritas, um preciso momento do dia no Brasil e em
Estocolmo, o cavalo, o gato, o elefante, as gaivotas, o cão, recebem esse
orvalho que ele diz ter para todos. Orvalho como oferenda do poeta, tal como é
da natureza e que ele irá entrelaçar a seus versos, usufruindo a força de sua
expressão poética. Na “Oda al perro”, a palavra orvalho está presente no último verso.
Um verso muito breve que acrescenta um elemento inesperado, inusual e sugestivo
ao ser que o poeta inventa no final de seu poema, homem e cão reunidos num só
animal, de seis patas e uma cauda/ com
orvalho. Epílogo para essa pequena
história – o homem a passear no campo com seu cão – sintetizada nos dois versos
que formam a segunda estrofe: Em pleno
campo vamos / homem e cão. Na
tríade – o cenário, os personagens, a ação – em que se constrói o poema, um
mundo feérico e iluminado e amoroso. As folhas brilham como se alguém as tivesse beijado / uma por uma, todas as laranjas sobem do chão, um túnel verde e logo / uma planície, uma água intranquila na manhã verde, no mundo umedecido pelas destilações da noite em que as raízes
murmuram e o trino e o aroma pairam no ar
alaranjado. O poeta está presente – a si próprio se chama o poeta do bosque – e como que preterido
por esse companheiro que pergunta sem falar (seus olhos são duas perguntas úmidas, duas chamas líquidas),
persegue as abelhas, para, pula sobre a água, urina numa pedra, corre pelo
campo e a quem ele não responde. Não pode responder, pois não sabe decifrar
enigmas: por que a primavera / não trouxe
em sua cesta / nada / para os cães errantes
/ apenas as flores inúteis. O diálogo não se faz com palavras. Elas sobejam
na espontânea comunhão nascida entre o cão a oferecer a ponta de seu focinho e o homem a receber essa expressão de sua ternura. Num e noutro é a alegria de
viver que os conduz entre os dedos claros de setembro. Unidos, cão
e homem, homem e cão, num existir
de amizade antiga.
Para sempre.



